小津安二郎 Yasujiro Ozu
Ozu, cineasta da família e de todas as suas questões, cineasta de todas as belezas da simplicidade do mundo e da vida, cineasta do amor familiar e da postura social, cineasta da transição de tudo e de toda a relação entre a forma humana. Candura pura e cristalina do mundo e da vida que brota e rebenta a cada plano, a cada momento da mais serena tranquilidade da acção. Ozu vai lá ao fundo dessa serenidade das serenidades e arrasta-a para o meio da agitação da vida e das contrariedades, das mutações e das questões éticas dessa mesma vida. Transições, tudo são transições do ser humano, tudo carrega a abdicação de algo para a concretização de outro algo, algo que invariavelmente segue ou se rege pelo curso natural da vida e da natureza. Ozu busca sempre a força dos valores morais e éticos numa sobreposição aos laços familiares. Não que os denigra ou que lhe dê menos valor, não, mas tudo sempre no caminho da racionalização, da mecanização da vida e do seu curso natural. Tudo numa irrupção trágica da morte da adolescência e dos laços paternais causada pelo casamento (sempre o casamento, a definição do futuro do individuo enquanto ser colectivo e social, a criação da própria família, etc.), pela força brutal dessa necessidade da “nova vida”, tudo numa tragicíssima ou numa abrupta inevitabilidade dessa criação de novas relações familiares. Lirismo dos lirismos, qualquer coisa tão forte e tão vibrante nas imagens e nas relações das personagens só comparável a Ford ou a Murnau, coisa que rasga toda a imensidão do paraíso para o colocar ali à nossa frente, coisa que traz toda a candura humana para a desbravar na sua comutação. Banshun (ou Late Spring) é feito de tudo o que todo o cinema de Ozu reclama, a eterna questão conflituosa entre o amor e a razão, o eterno passo para a constituição familiar do indivíduo, o eterno confronto ou a disparidade entre o velho e o novo. Ozu foi um dos poucos a tratar isso no cinema, a “martelar” (de quem trata insistentemente nas suas obras) uma e outra vez e outra e outra… sempre o afecto paternal/maternal como objecto de abdicação numa resignação individual face ao rumo natural e lógico que a vida tem de tomar. Ao tema haveria de recorrer muitas mais vezes na sua carreira, principalmente Sanma no Aji que é quase como que um remake deste, onde tudo o que Ozu quer mostrar é a inevitabilidade da solidão a que o ser humano está condenado. E Ozu sabe-o bem; e Ozu faz com que os seus personagens o saibam bem; e por isso Ozu escolhe aqueles caminhos, aquelas decisões. Tudo tão belo e tão lírico só possível aos génios.
3 comentários:
Os dois realizadores que mais quero conhecer são Ozu e Mizoguchi, mas tem tanta coisa que não sei por onde hei-de começar, nem sei quais são as obras incontornáveis deles e o tempo vai-se passando e não vejo nenhum... :(
Obrigado João ;) sim é uma obra-prima com todas as letras, e aquele final é sublime sem dúvida. E também passou a ser o meu preferido dele seguido de muito perto do Bom Dia :)
Neuroticon, quanto a Mizoguchi também ainda conheço pouco mas Ozu é já um dos meus cineastas preferidos. Este é um dos incontornáveis, assim como o Bom Dia e o Tokyo Monogatari. Aventura-te que decerto não te arrependerás ;)
Finalmente vi o meu primeiro filme do Ozu :) E este "Primavera Tardia" ou "Banshun" é qualquer coisa de muito bom! A simplicidade, a harmonia, a paz, a família, a solidão, o ciclo da vida.. Aqueles olhares das personagens, os diálogos profundos e muito reflexivos são de um brilhantismo raramente visto em cinema! Gostei também da realização de Ozu, aquela utilização de planos fixos cuidadosamente delineados são espantosos.
Uma verdadeira obra-prima do cinema mundial sem dúvida :)
Abraço
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