27 de maio de 2019


O mais interessante de ver em Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos é um certo “progressismo” naquela tribo indígena, os krahô. Vemos isso na disparidade (ainda que não seja muito acentuada) entre as gerações, entre o “velho” e o “novo”, principalmente na forma de vestir, como que uma vaticinação duma certa perda de identidade (ainda que lenta) em que o próprio percurso do personagem com a sua fuga (ou tentativa desta) ao seu destino xamânico assim o atesta ou augura. Acho que Salaviza e Renée fogem, o quanto podem fugir, à etnografia que um filme como Chuva… poderia exigir, a “comunhão” entre espectador/personagem, que desarma qualquer distância entre eles e nós, envolve-se numa ficção que rompe a “linha” documental que à partida possa parecer primordial, isto porque a inevitabilidade do realismo e de tudo o que isso acarreta (ritos, crenças e costumes, linguagem) está lá, mas a envolvência estende-se ao tal progressismo e a uma certa fusão cultural “profetizada” ou, talvez, apenas ansiada. Para o superar envolvemo-nos na ficção “do que não é” mas que carrega consigo “tudo o que é”, ou seja, ainda que a história seja ficcionada todos os passos de Ihjãc são e transportam os “krahô” e o que eles são (e num dos diálogos na cidade entre Ihjãc e uma enfermeira acentua-se isso quando cada um diz que o outro não sabe ou não conhece o mundo dele). Realismo ficcionado.

Compreendo a comparação com o cinema de Weerasethakul mas parece-me que a similaridade é escassa, ainda que aquele início prometedor duma espiritualidade (coisa inerente aos povos indígenas) assim o fizesse transparecer, ainda que o “destino xamânico” de Ihjãc a isso aluda, acho que Salaviza e Renée distanciam-se absolutamente disso para se embrenharem numa procura sensorial de momentos, espaços, rituais e processos - o naturalismo, os sons, a imagem… como também me parece mais próximo de qualquer Ke-Jia do que a qualquer Weerasethakul. Rouch e Flaherty eram outra coisa, mais pura e rudimentar!