30 de agosto de 2010

E como estamos numa de americanos e de perguntas, qual deles é pior, James Cameron ou Ridley Scott? Eu escolho Cameron porque o Scott ainda fez uma obra-prima, o Blade Runner.

Tini Zabutykh Predkiv - As Sombras Esquecidas Dos Nossos Ancestrais (1964)

Conto de lamento e melancolia. Tini Zabutykh Predkiv é, antes de mais, uma obra-prima e, daqueles que vi de Parajanov (junte-se-lhe a este Sayat Nova e Ambavi Suramis Tsikhitsa), aquele que me agradou mais. Conto trágico dos Cárpatos, nas suas montanhas onde (logo no início do filme) nos é indicado de que é “lugar esquecido por Deus e pelos Homens”. Mas isto não é um conto qualquer (tome-se-lhe a semelhança com Romeu e Julieta ainda que o Romeu deste conto (Ivan) tenha a audácia de viver depois da morte da sua amada), As Sombras Esquecidas dos Nossos Ancestrais é, além da (talvez) mais trágica das estórias, uma obra repleta de tudo o que a Parajanov é próprio. E quem leu o meu texto sobre Sayat Nova sabe do que falo. O que (ainda assim) distingue Tini Zabutykh Predkiv de Sayat Nova (e, de certa forma, de Ambavi Suramis Tsikhitsa, embora este seja já uma mistura [ou chamemos-lhe complementação] dos dois anteriores) são os magistrais movimentos de câmara que Parajanov nos traz, são as cores e o seu uso.

O que está em questão nesta estória é o relato ou a simbolização (este mais adequado por todo o simbolismo que o cinema de Parajanov acarreta) do amor verdadeiro, do amor puro. E o amor de Ivan por Marichka resiste até ao destino. Porque Tini Zabutykh Predkiv fala desse poder inflexível do destino. E o destino de Ivan é trágico. Mas o seu amor por Marichka caminha sempre com ele, mesmo quando se casa com Palagna. E há nesse amor e nessa conduta pessoal e íntima de Ivan uma certa força de dignidade ou fidelidade (relativa ao amor por Marichka pois Ivan nunca chega a ter realmente desejo por Palagna).

E Tini Zabutykh Predkiv era já aquele cinema muito próprio, muito artesanal, simbólico e primitivo que vemos em Sayat Nova (embora não tão radical esteticamente). Ritos de memórias em transfigurações pagãs e ortodoxas de constantes alusões às tradições e vida desses ancestrais, evocação lírica do amor eterno, mito e poesia imersos num primitivismo e simbolismo próprio de Parajanov. A comunhão entre o folclore e o ritual. Um filme visionário, uma fundamental obra-prima.

29 de agosto de 2010

Hoje, depois de ver o Coffee and Cigarettes, lembrei-me de algo (relativo a cinema é claro) que ainda agora estou para responder. Jarmusch ou Malick?

Coffee and Cigarettes (2003)






You would expect a movie called ''Coffee and Cigarettes'' to be leisurely, even indolent. To grab a smoke or a cup of coffee, after all, is the preferred way to take a break -- from work, from the stressful routines of ordinary life, from the rush of indistinguishable moments that make up our days. Or at least it used to be, before we starting sipping our lattes on the run out of cardboard cups and before smoking changed from an indoor, social vice into a furtive, solitary sidewalk indulgence.

Shot in black-and-white, as if to give the plumes of smoke and wisps of steam their full cinematic effect, Jim Jarmusch's charming new film, his first since ''Ghost Dog,'' has an unmistakably nostalgic, even elegiac feel. With one exception, the coffee in this series of 11 brief, discursive vignettes is drunk the way it used to be, from serious porcelain mugs, and butts are extinguished in ashtrays made of cut glass or hard plastic.

''Coffee and Cigarettes,'' which Mr. Jarmusch made over 17 years, often during breaks from other projects, is an anthology of conversations, most among famous or semifamous people, who play themselves -- sometimes, sort of. Bill Murray, for example, shows up moonlighting as a waiter, recognized for who he is by his only customers, RZA and GZA of the Wu-Tang Clan. Cate Blanchett appears in all her glossy, blond movie-star radiance playing herself, and also, thanks to some unassumingly tricky camera work, her wayward and resentful cousin, who is a brunette. Like Mr. Murray, Steve Buscemi is waiting on tables, spilling bad coffee on Joie and Cinqué Lee (whose more famous brother, Spike, is mentioned in a later vignette).

Some of the episodes are slight and anecdotal. Jack and Meg White of the White Stripes discuss the physics of the Tesla coil; Steven Wright and Roberto Benigni talk past each other before one of them goes off to a dental appointment. Others have the compact density of good short stories. The cumulative effect is a relaxed, ruminative buzz.

Not that the people on screen are necessarily at ease, with themselves or with one another. There is some loose, riffing coffee talk (notably between Mr. Murray and his herbal-tea-drinking patrons), but most of these brief encounters have a prickly, nervous energy. Under the influence of nicotine and caffeine, and with too much time on their hands, people have a way of getting on one another's nerves. You might think that a meeting between Iggy Pop and Tom Waits would be a kind of summit of uncompromising cool, but in each other's company those musicians turn defensive and passiveaggressive. Even in the most casual exchanges, hidden agendas and unspoken tensions percolate beneath the surface. Mr. Buscemi's idle chatter, and the Lees' response to it, send up a ripple of racial hostility. Two old friends (Isaach de Bankolé and Alex Descas) talk in circles around some unnamed emotional distress before saying their inconclusive and sad goodbyes.

In the two strongest chapters -- the one featuring Ms. Blanchett and another in which Steve Coogan and Alfred Molina play a deft game of celebrity one-upmanship -- such vague discomforts blossom into one-act dramas of envy and suspicion. But the full richness of ''Coffee and Cigarettes,'' which opens today in New York and Los Angeles, can't really be isolated in any single moment or performance, though Mr. Coogan's self-mocking turn is a repellent tour de force.

This movie, which is full of great music, from Mahler to the Skatalites, much of it wafting in from restaurant jukeboxes, has the serendipitous coherence of an old LP. Some of the tracks are stronger than others, but the magic lies in the echoes and unexpected harmonies between the selections. Snatches of conversation and stray thoughts recur like musical motifs, as if the characters were plucking them out of a common ether of insights and ideas. According to one of these (attributed to the physicist Nikola Tesla) the entire world is a kind of instrument, a ''transmitter of acoustical resonances.'' It's a lovely notion, and the implication that beauty and meaning can be found in odd places at unlikely, idle moments resonates through this lovely film.


A. O. Scott, NY Times, May 14, 2004


28 de agosto de 2010

Hoje lembrei-me do Tim Burton e da merda do seu Planet of the Apes. Que me lembre é o pior filme dele. E para vós?

25 de agosto de 2010

Sayat Nova - A Cor da Romã (1968)












Em Parajanov (fala-se no seu cinema é claro) existe, acima de qualquer simbolismo e rudimentarização (se é que tal possa ser) que haja, uma forma muito própria (embora muito similar a Pasolini) e peculiar de fazer cinema (leia-se arte). Uma forma muito rude e artesanal de contar uma(s) história(s) sempre com o intuito de algum tradicionalismo, ritualização ou primitivismo inerente. A(s) história(s) por si só se auto-define(m) na sua vertente “mais ou menos” rude (e hermética), seja a partir do aspecto visual que nos advém de todo o cenário/espaço em que as personagens se envolvem, seja a partir dessas mesmas personagens e suas respectivas vestes. Assim, podemos tratar Parajanov como um esteta muito próprio e particular (novamente Pasolini como referência similar, muito similar) no qual se denota essa rudimentarização exacerbada como estrutura essencial (no aspecto visual) para a concretização do seu cinema. Posteriormente vem todo o simbolismo ou alegorismo que esse aspecto visual transparece. E daí advém todo o objecto do seu cinema.

O que acontece em Sayat Nova (em português A Cor da Romã) é essa exploração de toda a rudimentarização, primitivismo, alegoria e sobretudo misticismo existente na história do poeta Aruthin Sayadin. Avançando no tempo desde a infância do poeta até à morte deste, Sayat Nova parte do pressuposto de se retractar essencialmente, ao invés duma biografia convencional, o interior do poeta. Por isso a constante e imutável alegoria aos usos e costumes da região (actual Arménia) e respectiva época do poeta. Isto porque a isso se deve o que o poeta é (foi). Em causa (objectivo) está a narração da vida do poeta arménio. Mas Sayat Nova revoluciona pela “tal” estética visual que a Parajanov é própria. Sucessão de imagens alegóricas e líricas alusivas aos versos do poeta, abandono de convencionalismos quer estéticos quer narrativos e recorrência sistemática e unicamente ao plano fixo. Abundância de lirismos e metáforas visuais referentes à história e tradições da nação do poeta. Resultante disso está uma obra visualmente inigualável, está, acima de tudo, uma obra-prima que ultrapassa as barreiras do cinema tal qual o conhecemos. Assim (e por isso a extrema dificuldade em ver isto para quem está habituado ao cinema hollywoodesco) a estranheza na forma de aprimorar as imagens como que as expondo tentando transmitir a mensagem/objecto “camuflada” nas “tais” alegorias a que incessantemente recorre. Alegorias essas que transmitem certos ritos e tradicionalismos da época e da região em que o poeta está inserido, sempre aludindo visualmente a uma poesia (à sua poesia, a do poeta), relacionando época/sociedade/usos e costumes com a poesia/individuo e sua formação social/intelectual/espiritual. Meio social como base para essa formação e desenvolvimento quer individual quer relativo à poesia de Sayadin. É a procura de Parajanov em analisar os factores condicionantes ou/e determinantes para essa formação. A compreensão do Ser (o poeta).