17 de novembro de 2015

Não, não é que em Cynara não se condene a infidelidade, porque se condena… mas Vidor expõe a inevitabilidade dessa infidelidade, mais que a vontade do infiel em não ser infiel… o acaso trouxe-lhe aquela mulher (com uma “mãozinha” do amigo Tring), por mais que lhe tenha fugido, a tentação ou atracção ou desejo (ou o que lhe queiram chamar) foi mais forte que a sua fidelidade pela mulher… já o ditado diz que o homem não é de ferro… a ausência de Clemency à infidelidade muito ajudou, a forma como Doris se apaixonou loucamente desde o primeiro momento em que o viu… por isso tudo fez e nada descansou enquanto não o teve nos seus braços… por isso tudo e qualquer coisa teria dito para o ter (como depois assume face à inevitabilidade da cessação daquele amor proibido)… Jim Warlock, advogado de sucesso, carreira promissora pela frente, homem fiel e loucamente apaixonado pela sua mulher bem tentou fugir a Doris, desde logo lhe disse que era casado, desde logo rasgou aquele bilhete com a morada e o telefone que Doris lhe entregou, desde logo bem lhe frisou, a Tring, que só uma mulher no mundo lhe interessava… mas o acaso e a “mãozinha” de Tring tornou inevitável o que era impensável para Jim, o envolvimento com aquela mulher, a consumada traição. Vidor não só mostra a inevitabilidade da infidelidade como, de certa forma, a legitima… não é que Vidor isente Jim de qualquer culpa porque só o facto de se envolver o exclui de qualquer isenção, mas absolve-o ou o que se lhe assemelhe… ele bem tentou fugir…


Mas ainda que envolto no romance e na jovialidade do romance, Cynara a partir de certa altura começa a transpirar tragicidade… mais uma vez a inevitabilidade vem “à baila”… transpira não só tragicidade como a inevitabilidade dessa tragicidade. Doris, e como se previa, não aceita bem o findar daquela relação que à partida ela mesmo tinha consciência que não podia durar… ele disse-lhe bem cedo que amava a mulher, que quando ela voltasse não mais poderia continuar… a inevitabilidade de algo trágico paira no ar e o suicídio de Doris não espanta. É então que Jim se vê mergulhado na destruição da sua promissora carreira e na iminência da aniquilação do seu casamento… o abismo e a queda quase que inevitável (mais uma vez) ali mesmo à sua frente, ele que tanto ama a sua mulher, ele que tanto fugiu de ser infiel… mas a dignidade, o respeito por Doris e por aquilo que sentiram e viveram os dois, enfim, a redenção de Jim chega naquele tribunal no momento em que se recusa a dizer se ela sabia que ele era casado, se antes dele alguma vez ela tinha tido outro caso semelhante, no momento em que, resumindo, se recusa a se defender… não manchar a memória e a imagem dela… aí Jim sacrifica a carreira e o casamento em nome da sua consciência… porque ele sabia bem que embora ela já tivesse tido outro caso tudo foi demasiado intenso para ela (e de certa forma também o foi para ele… afinal de contas nunca antes tinha feito a façanha nem era homem de traições e se o fez foi porque algo entre eles muito forte existiu)… tão intensa e tão apaixonada foi aquela relação que o suicídio foi a única saída dela… a negrura e o horror da tragicidade daquele acto fatídico esfumaça-se naqueles momentos finais em que Tring (culpado e responsável por ter juntado Doris a Jim) se redime e lhe diz a Clemency já pensaste nunca mais o vou ver? fazendo-a perdoar, fazendo renascer o amor e salvar aquele casamento.