7 de novembro de 2008

"Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. São apenas jogos; primeiro é necessário responder. E, se é verdade, tal como Nietzsche o quer, que um filósofo, para ser estimável, deve dar o exemplo, avalia-se a importância desta resposta, visto que ela vai preceder o gesto definitivo. São evidências sensíveis ao coração, mas é preciso aprofundá-las para as tornar claras ao espírito.
Se pergunto a mim próprio como decidir se determinada interrogação é mais premente do que outra qualquer, concluo que a resposta depende das acções a que elas incitam, ou obrigam. Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo. Fez bem, em certo sentido. Essa verdade não valia a fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. A bem dizer, é um assunto fútil. Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). Julgo pois que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos - das interrogações. Como responder-lhe? Em todos os problemas essenciais (e por tal entendo os que podem fazer morrer e os que duplicam a paixão de viver) só há provavelmente dois métodos de pensamento, o de La Palisse e o de Don Quixote. É o equilíbrio da evidência e do lirismo o único que nos faculta ao mesmo tempo o acesso à emoção e à clareza. Num assunto ao mesmo tempo tâo humilde e tão cheio de patético, a dialéctica sábia e clássica deve pois ceder o seu lugar, é fácil de conceber, a uma atitude de espírito mais modesta que deriva ao mesmo tempo do bom senso e da simpatia.
O suicídio nunca foi tratado senão como fenómeno social. Aqui, pelo contrário, para começar, importa-nos a relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este prepara-se, tal como acontece com uma grande obra, no silêncio do coração. O próprio homem o ignora. Uma bela noite, dá um tiro ou atira-se à água. De um gerente de prédios de rendimento que se matara, diziam-me certo dia que ele perdera a filha havia cinco anos, que mudara muito desde então e que essa história «o havia consumido». Não se pode desejar palavra mais exacta. Começar a pensar é começar a ser consumido. A sociedade não tem grande coisa a ver com estes princípios. O veneno está no coração do homem. É aí que ele deve ser procurado. Esse jogo mortal, que vai da lucidez perante a existência à evasão fora da luz, é preciso segui-lo e comprendê-lo.
Há muitas causas para um suicídio e, de um modo geral, as mais aparentes não têm sido as mais eficazes. As pessoas raramente se suicidam (a hipótese, no entanto, não se exclui) por reflexão. Aquilo que provoca a crise é quase incontrolável. Os jornais falam muitas vezes de «desgostos íntimos» ou de «doença incurável». São explicações válidas. Mas era preciso saber se nesse próprio dia um amigo do desesperado não lhe falou num tom indiferente. É ele o culpado. Porque isso pode bastar para precipitar todos os rancores e todos os cansaços ainda em suspenso.
Mas se é difícil fixar o momento preciso, o movimento subtil do espírito em que este se determinou pela morte, é mais fácil tirar do próprio gesto as consequências que ele implica. Matar-se, em certo sentido (e tal como no melodrama), é confessar. É confessar que se é ultrapassado pela vida e que não a compreendemos. Não vamos, em todo o caso, tão longe nas analogias: voltemos às palavras correntes. O suicídio é apenas a confissão de que a existência «não vale a pena». Viver, naturalmente, nunca é fácil. Continuamos a fazer os gestos que a existência ordena, por muitas razões, a primeira das quais é o hábito. Morrer voluntariamente implica reconhecermos, mesmo instintivamente, o carácter irrisório desse hábito, a ausência de qualquer razão profunda de viver, o carácter insensato dessa agitação quotidiana e a inutilidade do sofrimento.
Qual é então esse incalculável sentimento que priva o espírito do sono necessário à sua vida? Um mundo que se pode explicar, mesmo com más razões, é um mundo familiar. Mas, pelo contrário, num universo súbitamente privado de ilusões e de luzes, o homem sente-se um estrangeiro. Tal exílio é sem recurso, visto que privado das recordações de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida."
Albert Camus
"O Mito de Sísifo"

30 de outubro de 2008

"O Mundo; Lugar de Expiação. Brama criou o mundo por uma espécie de pecado ou desvário, e permanece nele para expiar sua falta. – Muito bem! – Segundo o budismo, uma perturbação inexplicável criou o mundo, produzindo-se depois um longo repouso na beatitude serena, chamada Nirvana, que será conquistada pela penitência. Perfeitamente. Para os gregos o mundo e os deuses eram a obra de uma necessidade insondável, explicação admissivel, porque nos satisfaz provisoriamente. Ormuzd combate com Ariman: isto podemos admitir. Mas um Deus como esse Jeová, que animi causa, por seu belprazer, criou este mundo de lágrimas e dores, e que ainda se alegra e se aplaude de o haver criado, achando-o bom, isso já é demasiado forte. Sob este ponto de vista, podemos considerar a doutrina dos judeus como a última entre todas as que professam os povos civilizados, sobretudo, sendo que tomemos em consideração de ser ela a única que não possui qualquer vestígio de imortalidade. Ainda que a teoria de Leibnitz fosse verdadeira, embora se admitisse que entre os mundos possíveis este é o melhor, essa demonstração não nos daria nenhuma teodicéia, porque o Criador não se limitou a criar o mundo, mas também a possibilidade de sua criação: por isso deveria ter criado um mundo melhor. A dor que enche o mundo protesta irada contra a hipótese de uma obra perfeita devida a um ser infinitamente bom e sábio, e também todo poderoso. E, por outra parte, é bem evidente a notória imperfeição, a burlesca caricatura que é o homem, obra acabada da criação. Não é possível explicar essa dissonância. Quando consideramos o mundo como obra de nossa própria culpa, e, portanto, como alguma coisa que não pode ser melhor, as dores e miséria da humanidade são provas em apoio desta tese. Se o mundo é obra de um criador, as dores voltam-se contra ele dando lugar a cruéis sarcasmos; mas se é obra nossa, a acusação é contra o nosso ser e a nossa vontade. Isto nos faz pensar que viemos ao mundo já viciados, como os filhos de pais gastos pelos desregramentos, e que se a nossa existência é tão miserável, e tem por desfecho a morte, é porque assim merecemos, para expiar nossa culpa. Generalizando, nada é mais certo: a culpa do mundo é que causa os sofrimentos, e entendemos esta relação no sentido metafórico, e não no físico e empírico. Por isso, a história do pecado original reconcilia-me com o Antigo Testamento; para mim é a única verdade metafísica que o livro contém – expressa em forma alegórica. A nada se assemelha tanto nosso destino como à conseqüência de uma falta, de um desejo culpado. Para ter orientação na vida, e considerar a vida em seu verdadeiro aspecto, basta habituarmo-nos ao pensamento de que este mundo é um vale de lágrimas, em lugar de penitência; a penal colony, como a definiram os mais antigos filósofos, e alguns padres da Igreja. Não é misterio que eu diga o que vale a sociedade de nossos semelhantes; aquele estão conscientes que mereciam outra melhor, assim como se sabe que não é a menor pena do presidiário a sociedade em que ele se encontra. Um espírito elevado, uma alma delicada, um gênio pode sentir a mesma necessidade de isolamento que um nobre prisioneiro que se encontra na cadeia rodeado de criminosos vulgares. Se sempre nos lembrássemos de que viemos ao mundo para expiar uma culpa, acolheríamos sem surpresa e sem indignação as imperfeições de nossos semelhantes, os tormentos que aqui sofremos, cuja miserável constituição intelectual e moral se revela até no rosto. A certeza de que o mundo e o homem não podem mudar nos encheria de dó pelo próximo. Com efeito, que podemos esperar de tais seres? Penso, às vezes, que a melhor maneira dos homens se cumprimentarem em vez de ser “Cavalheiro, Senhor, Sir”, poderiam ser, “companheiro de sofrimentos, soci malorum, my fellow-sufferer”... Por mais irritante que pareça esta expressão, tem mais fundamento que as usuais, e recorda-nos a paciência, indulgência e amor ao próximo, e, usada por todos, beneficiaria a cada um."

Arthur Schopenhauer
"O Mundo Como Vontade e Representação"

24 de outubro de 2008

Sigur Rós

Saeglopur

Sigur Rós com um videoclip muito bem conseguido. A música, dispensa críticas, bem como quase todas as outras do grupo, simplesmente fabulosas. Estes senhores da Islândia têm uma sonoridade quase mágica que, pra quem goste, deixa-nos quase noutra realidade. Muito bom...