31 de dezembro de 2010

Ora bem, isto sem primeiros e segundos e por aí fora. Estes são os melhores dos últimos três anos que vi este ano:

Lola (2009)
The Ghost Writer (2010)
Shutter Island (2010)
Copie Conforme (2010)
Kynodontas (2009)
Shirin (2008)
Les Herbes Folles (2009)
Tulpan (2008)
Poliţist, adj. (2009)
Synecdoche New York (2008)
Kinatay (2009)
Serbis (2008)
Gigante (2009)
El Cielo la Tierra y la Lluvia (2008)
Jerichow (2008)
Lake Tahoe (2008)
Süt (2008)
Postia Pappi Jaakobille (2009)
The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans (2009)
Avaze Gonjeshk-ha (2008)
Lebanon (2009)
4 Copas (2008)
The Limits Of Control (2009)
Fish Tank (2009)
Cztery Noce Z Anna (2008)
A Zona (2008)
Un Prophète (2009)
The Imaginarium of Doctor Parnassus (2009)
Tetro (2009)
Gomorra (2008)
A Serious Man (2009)
The Messenger (2009)
Mary and Max (2009)
Urga (1991)
Nikita Mikhalkov

Em Urga temos o espaço (a natureza) como condutor enérgico (embora transpareça serenidade) da definição individual (e cultural) daquele homem e daquela família. Ali, na vastidão dos montes verdejantes e longínquos, luta-se pela permanência da sua cultura (e de certa forma pelo primitivismo inerente ao aspecto sociocultural, daquele sentido retrógrado) face ao avanço da civilização no seio daquela família mongol. A televisão e os contraceptivos funcionam como metáforas desse desenvolvimento civilizacional. Dum lado temos a mulher (apologista do consumismo e de um desenvolvimento civilizacional) e do outro o homem (receoso nesse progresso). O que há ali é um confronto de mentalidades. Em comum existe o amor e a necessidade das relações sexuais. Nessa matéria, Urga é filme de descobertas, é filme de reflexões sobre a relação conjugal, sobre a forma de resolver os dilemas. No entanto, toda essa incitação numa procura de explorar a relação conjugal advém primordialmente dum pressuposto político-social. Pagma quer uma televisão para poder estar informada sobre o mundo, para evoluir socialmente. Quer os preservativos porque a lei não permite mais de três filhos aos mongóis e um aos chineses. Tudo deriva de razões políticas e sociais.

Mas Urga emerge na disparidade entre os rituais de tal primitivismo em que Gombo e a sua família vivem (se bem que primitivismo será uma palavra forte demais, talvez costumes tradicionais se adeqúe melhor) e os sinais do mundo moderno que emite (o boné do filho, o poster do vizinho, o aparecimento de Sergei que resulta da chegada das construções rodoviárias, posteriormente a televisão, os preservativos e a bicicleta). O que Mikhalkov nos mostra são esses ritos em que aquela etnia subsiste (e aqui, aliado à sua beleza paisagística, lembrei-me de Tulpan que vi há dias), é o valor que a natureza adquire aqui, é o humanismo daquele primitivismo. Porque Sergei reconhece o bem que Gombo lhe fizera (e é grato por isso). Porque o russo descobre que ali está longe da falsidade humana, ali está perto duma candura rara, duma ingenuidade própria de quem é alheio ao desenvolvimento social e civilizacional. O humanismo. E aí dá-se o confronto de culturas (que atinge o seu auge quando Gombo vai à cidade) e o início de uma amizade. Mas acima de tudo, dá-se a descoberta da civilização por parte de Gombo, dá-se a colmatação do desconhecimento e a aceitação de alguns bens afectos a essa modernização (a televisão e a bicicleta). Dá-se o progresso (por pouco que seja e embora se continue mergulhado nos ritos mongóis) naquela família. E a beleza do espaço, a beleza dos enquadramentos, a mise-en-scène de Mikhalkov.

29 de dezembro de 2010

Tulpan (2008)
Sergei Dvortsevoy

Tulpan é um filme lírico dentro da sua estrutura neo-realista. História de utopias, de ilusões cosmopolitas. Auto-descoberta pessoal que tem lugar num pedaço de terra árida e ventosa no Cazaquistão. Vidas solitárias e lutadoras, labutas diárias em processo de subsistência, ritos secos e crus daquela gente, daquela paisagem árida e poeirenta, daquela condição meteorológica. Tulpan, filme de canções, de costumes e tradições. Postura cinematográfica próxima de um estado rudimentar, procura crua (e iluminada pelo sol) do dia-a-dia daquela família. Tulpan é um conto de um país (porque no fundo, antes de ser um filme dum homem, é filme de um país, dos seus costumes, da sua terra, das suas condições). Tulpan é isso, filme da terra, do vento, da poeira, dos homens, das suas raízes, da sua luta diária pela sobrevivência, pelo seu sustento. E ali, no meio do nada, cercado pelos terrenos extensos e empoeirados (assolados constantemente por remoinhos de vento), regressa à terra um marinheiro que ali se sente como um estrangeiro. Mas a ambição é de começar, de ter a sua terra, de ter o seu rebanho. Isto é a premissa da história de Asa, o propósito de haver história. O desejo de casar com Tulpan (única solteira por aquelas bandas) é imposto por essa premissa, por essa ambição. E daí resulta o seu sentido poético, lírico e utópico. Mas naquela história de redescoberta interior o mais importante é a beleza das imagens, dos ritos e das acções. A sua secura, a quase crueza das imagens. A simplicidade de filmar uma história.

28 de dezembro de 2010

Hoje ao rever o Perfume com a minha mais que tudo, constatei que há ali material para um grande filme, para algo memorável. Mas tudo se desvanece na realização do filme, no cuidado visual, no uso excessivo da banda sonora. Tanto embelezamento estraga o cinema, adultera o seu sentido. Uma história daquelas devia ser filmada friamente, cruamente. Sem embelezamentos, sem maquilhagens, sem musiquinha de fundo. Isso distorce o filme, estraga o cinema. Porque o sentimento que pretende demonstrar apresenta-se falso, forçado. Porque o cinema tem a capacidade de o demonstrar, mas tem de ser naturalmente, tem de ser sem artifícios, sem embelezamentos parolos.

27 de dezembro de 2010

Copie Conforme (2010)

Copie Conforme desdobra-se na palavra, complexa-se na auto-reflexão (daquele casal em crise emocional de meia-idade) sobre a mudança, sobre o tempo. O que foi e o que é, a perca do romantismo, a carência da paixão que se desvanece com o tempo, com a idade. A imensidão do espaço que o trabalho ocupa numa relação, a ausência da cumplicidade pretendida. Copie Conforme deambula pela arte (e por aquele fascinante décor, pelo espaço que as personagens ocupam, pelo olhar de Binoche, pela expressividade daquele casal) e suas questões de original/cópia para atracar na insistência de reanimar o romantismo (confundido com amor) perdido. Copie Conforme é claramente (e a isso atesta a evasão à simplicidade a que nos habituou) o filme mais europeu de Kiarostami.

26 de dezembro de 2010

John Ford

Léon Morin, Prêtre (1961)










Léon Morin, Prêtre é um filme ascético e poético. Acima de tudo, filme sobre a fé. Filme da palavra. O filme de Melville nada tem a ver com o noir de Le Samouraï ou de Un Flic. Nada. Léon Morin, Prêtre é filme de questões, é filme ambíguo. E essa ambiguidade traduz-se naquela relação que se cria entre Morin (o padre) e Barny. Porque a proximidade que se cria entre o padre e ela (fruto da insistência em querer converter Barny ao cristianismo) é confundida tanto por ela como por Melville (e a dada altura já não sabemos se o padre não está realmente atraído por ela). Porque o que acontece é que ela entra numa espiral de incerteza em que não sabe se ama Deus ou o padre. Porque aquele discurso do padre não é só sobre fé. É também revolucionário e nacionalista, é também moralista. Tudo o que Melville traz (e tudo envolto numa obscuridade sombria relativa não só à ocupação nazi como ao cristianismo) é criar questões existenciais e metafísicas sobre a fé, a religião e a atracção sexual. Existe, de facto, muitas semelhanças entre este filme de Melville e o cinema de Bresson. Não só a espiritualidade que o filme transpira como também a forma. Ou seja, aquilo que vemos, a relação entre as personagens, a atmosfera que é criada naquela relação, o sentido abstracto. Mas, sobretudo, o que interessa em Léon Morin, Prêtre é a fé, as imperfeições do ser humano, a procura da plenitude por parte de Barny com aquela relação intelectual e emocional que se cria entre ela e o padre (Belmondo numa grande interpretação).

24 de dezembro de 2010

P'ra todos (e p'ra mais alguns)...


Shirin (2008)


Shirin é sem qualquer sombra de dúvidas um portento de filme.

Dersu Uzala (1975)

























A Dersu Uzala atribua-se-lhe o estatuto de obra maior (ou uma das maiores) de Kurosawa. Dersu Uzala é sobre uma amizade que se cria entre dois homens, é sobre a sobrevivência daquelas pessoas que vagueiam pelas florestas da Sibéria, é sobre a descoberta doutro mundo. É sobre a força da natureza face à pequenez da força do Homem, é sobre a vida e o tempo, o tempo que corre. Humanismo em cada cena. Mas, acima de tudo, Dersu Uzala é filme sobre a morte, sobre a coragem e sobre a esperança. Talvez o melhor filme de Kurosawa.

21 de dezembro de 2010

Tanto esta música como o álbum inteiro (um dos melhores já alguma vez feitos - para mim é claro - juntamente com o primeiro deles e o Adore dos Smashing) me trazem lembranças de um passado distante. Nem alegre nem triste, apenas nostalgia, apenas a vida que passou, o que foi, o que ficou, a vida. Se há música que me deixe melancólico, é esta.

20 de dezembro de 2010

Melville

Le Cercle Rouge (1970)



























Le Cercle Rouge é noir. Filme de bandidos, de assaltos. O crime na sua imponência. Melville trata por tu a forma de filmar o crime. O estilo do bandido, a aparência, a forma de andar, de vestir, de fumar. As moralidades, o ambiente e o ritmo vertiginoso da acção, a tensão, o espaço. São estes pormenores que fazem o noir de Melville. E ele filma-o cruamente, simples, sem embelezamentos, sem artifícios. Obra-prima.