Luchino Visconti
Ontem lembrei-me de rever aquele que é muito provavelmente a obra maior de Visconti (ou pelo menos uma das maiores). Grandioso. Obra-prima absoluta sem qualquer sombra de dúvidas. Il Gattopardo é a história de um homem (o Príncipe de Salina interpretado por um Burt Lancaster tão grandioso quanto o filme). O rosto da aristocracia. Il Gattopardo é filme de um homem, filme de uma época, de um país. Mas sobretudo, filme da transformação de um país.
Quem melhor do que um aristocrata para filmar a aristocracia? Ninguém, nunca ninguém filmou tão bem a aristocracia. Il Gattopardo é o princípio do fim dessa aristocracia, a mudança de mentalidades, a disparidade entre a velha e a nova geração, o calor da revolução. A decadência da nobreza. Há no Príncipe de Salina um enraizamento tão sólido nas suas origens, na sua linhagem e nos títulos nobres, uma força que o impede (interiormente e politicamente) de se adaptar ao novo país, à democracia. A integridade e orgulho da sua posição social (da nobreza) assim o impõem.
Épico por natureza, eloquente. Ritos da nobreza. Os planos-sequência, os enquadramentos; a mise-en-scène de Visconti é perfeita. Visconti utiliza sobretudo os planos abertos, com a intenção de mostrar sempre o décor, a beleza e a opulência do palácio. Assim como, nos espaços exteriores, recorre à profundidade de campo e ao distanciamento para nos mostrar a paisagem, o meio rural. A riqueza tão perto da pobreza. Mas é ali, na sua terra, que o príncipe quer estar, porque é ali o seu lugar. Porque Visconti sempre foi muito apegado à terra (já em Rocco o fazia), sempre teve presente as suas raízes (e a das suas histórias). Conservador.
Mas Visconti sempre foi um político. Visconti sempre se preocupou com a burguesia, sempre procurou materializar a sua história (desde as guerras anti-napoleónicas (Senso), as garibaldinas (Il Gattopardo), até ao pós-guerra em Rocco, Ossessione e La Terra Trema). Mas sempre o fez com o seu olhar aristocrata. E sempre carregou consigo esse peso político da sua veia comunista e a linguagem cinematográfica tradicional. A câmara como instrumento que serve o décor. Por isso é tão fundamental a mise-en-scène de Visconti, o processo narrativo e fílmico do seu cinema. Ateu, foi além disso o melhor romancista do cinema italiano. A isso contribuía tanto a sua paixão pela ópera, símbolo aristocrata.
Visconti sempre foi um amoral, sempre soube distinguir o sexo do amor. E o amor talvez fosse a sua grande (a)moralidade, a grande perdição humana (em Ossessione é a causa do assassinato, em Rocco é a causa da decadência de Simone e Rocco, em Senso é a perdição de Livia e de Mahler, aqui é Angelica (deslumbrante Claudia Cardinale) quem carrega consigo o poder da sedução). Tudo em Visconti busca o amor (mesmo as adúlteras e os adúlteros). Veja-se em Rocco, Nadia como prostituta que é (e Visconti sempre soube distinguir as classes, sempre soube chamar putas às burguesas e adúlteras às aristocratas), precisa (a partir de que conhece Rocco) ela também de amor. Porque Visconti sempre foi um romântico com todas as amoralidades do ser humano. Em Senso é o amor que move Livia, a ilusão do amor. Aliás, Visconti sempre quis mostrar a decadência humana derivada do sexo e do dinheiro. O capitalismo. Mas nunca foi um revolucionário, e isso está bem latente em Il Gattopardo, Tancredi participa na revolução sem ser completamente devoto do ideal. Participa porque é uma revolução que irá transformar a sociedade do país, porque ficará na história. Ele participa no início da decadência da sua classe social, a aristocracia, mas ao participar conquista o seu estatuto. Visconti (e apesar de comunista) sempre quis mostrar a história sem tomar partidos, sempre quis mostrar o homem como ele é, a humanidade corrompida, explorar as suas iniquidades.
A família no altar. É lá que Visconti a coloca, no altar. Porque a família é sagrada. O grande dever de um homem. O inicio de Il Gattopardo, com todo o vigor do genérico fabuloso que nos detalha tão directamente e claramente a grandiosidade do palácio do príncipe, prediz o orgulho da classe social. Tudo remete para a nobreza, para a sumptuosidade da aristocracia. Visconti sabia bem o que era a nobreza. Conhecia a força que a igreja fruía devido à nobreza. E vice-versa. Os planos iniciais demonstram-no bem. Il Gattopardo é filme sobre a transição do poder (e da sua imutabilidade interior) da sociedade do país, o que isso provocou na nobreza, naquela família, naquele homem. Porque a verdade é que a nobreza entra em fase decadente, o capitalismo decai diante o processo revolucionário e dá-se a explosão da burguesia, a usurpação do poder. E com isso chega ao Príncipe o peso da velhice, o fantasma da morte. E é difícil não admirar (acima de toda a face aristocrática) o Príncipe de Salina, homem justo acima de tudo, integro, humano. Homem que sabe manter o seu estatuto, escolher o melhor para a sua família. Porque a família lá está, no altar.
Quem melhor do que um aristocrata para filmar a aristocracia? Ninguém, nunca ninguém filmou tão bem a aristocracia. Il Gattopardo é o princípio do fim dessa aristocracia, a mudança de mentalidades, a disparidade entre a velha e a nova geração, o calor da revolução. A decadência da nobreza. Há no Príncipe de Salina um enraizamento tão sólido nas suas origens, na sua linhagem e nos títulos nobres, uma força que o impede (interiormente e politicamente) de se adaptar ao novo país, à democracia. A integridade e orgulho da sua posição social (da nobreza) assim o impõem.
Épico por natureza, eloquente. Ritos da nobreza. Os planos-sequência, os enquadramentos; a mise-en-scène de Visconti é perfeita. Visconti utiliza sobretudo os planos abertos, com a intenção de mostrar sempre o décor, a beleza e a opulência do palácio. Assim como, nos espaços exteriores, recorre à profundidade de campo e ao distanciamento para nos mostrar a paisagem, o meio rural. A riqueza tão perto da pobreza. Mas é ali, na sua terra, que o príncipe quer estar, porque é ali o seu lugar. Porque Visconti sempre foi muito apegado à terra (já em Rocco o fazia), sempre teve presente as suas raízes (e a das suas histórias). Conservador.
Mas Visconti sempre foi um político. Visconti sempre se preocupou com a burguesia, sempre procurou materializar a sua história (desde as guerras anti-napoleónicas (Senso), as garibaldinas (Il Gattopardo), até ao pós-guerra em Rocco, Ossessione e La Terra Trema). Mas sempre o fez com o seu olhar aristocrata. E sempre carregou consigo esse peso político da sua veia comunista e a linguagem cinematográfica tradicional. A câmara como instrumento que serve o décor. Por isso é tão fundamental a mise-en-scène de Visconti, o processo narrativo e fílmico do seu cinema. Ateu, foi além disso o melhor romancista do cinema italiano. A isso contribuía tanto a sua paixão pela ópera, símbolo aristocrata.
Visconti sempre foi um amoral, sempre soube distinguir o sexo do amor. E o amor talvez fosse a sua grande (a)moralidade, a grande perdição humana (em Ossessione é a causa do assassinato, em Rocco é a causa da decadência de Simone e Rocco, em Senso é a perdição de Livia e de Mahler, aqui é Angelica (deslumbrante Claudia Cardinale) quem carrega consigo o poder da sedução). Tudo em Visconti busca o amor (mesmo as adúlteras e os adúlteros). Veja-se em Rocco, Nadia como prostituta que é (e Visconti sempre soube distinguir as classes, sempre soube chamar putas às burguesas e adúlteras às aristocratas), precisa (a partir de que conhece Rocco) ela também de amor. Porque Visconti sempre foi um romântico com todas as amoralidades do ser humano. Em Senso é o amor que move Livia, a ilusão do amor. Aliás, Visconti sempre quis mostrar a decadência humana derivada do sexo e do dinheiro. O capitalismo. Mas nunca foi um revolucionário, e isso está bem latente em Il Gattopardo, Tancredi participa na revolução sem ser completamente devoto do ideal. Participa porque é uma revolução que irá transformar a sociedade do país, porque ficará na história. Ele participa no início da decadência da sua classe social, a aristocracia, mas ao participar conquista o seu estatuto. Visconti (e apesar de comunista) sempre quis mostrar a história sem tomar partidos, sempre quis mostrar o homem como ele é, a humanidade corrompida, explorar as suas iniquidades.
A família no altar. É lá que Visconti a coloca, no altar. Porque a família é sagrada. O grande dever de um homem. O inicio de Il Gattopardo, com todo o vigor do genérico fabuloso que nos detalha tão directamente e claramente a grandiosidade do palácio do príncipe, prediz o orgulho da classe social. Tudo remete para a nobreza, para a sumptuosidade da aristocracia. Visconti sabia bem o que era a nobreza. Conhecia a força que a igreja fruía devido à nobreza. E vice-versa. Os planos iniciais demonstram-no bem. Il Gattopardo é filme sobre a transição do poder (e da sua imutabilidade interior) da sociedade do país, o que isso provocou na nobreza, naquela família, naquele homem. Porque a verdade é que a nobreza entra em fase decadente, o capitalismo decai diante o processo revolucionário e dá-se a explosão da burguesia, a usurpação do poder. E com isso chega ao Príncipe o peso da velhice, o fantasma da morte. E é difícil não admirar (acima de toda a face aristocrática) o Príncipe de Salina, homem justo acima de tudo, integro, humano. Homem que sabe manter o seu estatuto, escolher o melhor para a sua família. Porque a família lá está, no altar.
3 comentários:
Grande filme, sim. Já não o vejo há uns anos.
Grande texto. É um filme absolutamente magnífico, o meu Visconti favorito.
O meu Visconti favorito será sempre o Rocco. Mas este e o Senso são monumentais.
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