25 de agosto de 2010

Sayat Nova - A Cor da Romã (1968)












Em Parajanov (fala-se no seu cinema é claro) existe, acima de qualquer simbolismo e rudimentarização (se é que tal possa ser) que haja, uma forma muito própria (embora muito similar a Pasolini) e peculiar de fazer cinema (leia-se arte). Uma forma muito rude e artesanal de contar uma(s) história(s) sempre com o intuito de algum tradicionalismo, ritualização ou primitivismo inerente. A(s) história(s) por si só se auto-define(m) na sua vertente “mais ou menos” rude (e hermética), seja a partir do aspecto visual que nos advém de todo o cenário/espaço em que as personagens se envolvem, seja a partir dessas mesmas personagens e suas respectivas vestes. Assim, podemos tratar Parajanov como um esteta muito próprio e particular (novamente Pasolini como referência similar, muito similar) no qual se denota essa rudimentarização exacerbada como estrutura essencial (no aspecto visual) para a concretização do seu cinema. Posteriormente vem todo o simbolismo ou alegorismo que esse aspecto visual transparece. E daí advém todo o objecto do seu cinema.

O que acontece em Sayat Nova (em português A Cor da Romã) é essa exploração de toda a rudimentarização, primitivismo, alegoria e sobretudo misticismo existente na história do poeta Aruthin Sayadin. Avançando no tempo desde a infância do poeta até à morte deste, Sayat Nova parte do pressuposto de se retractar essencialmente, ao invés duma biografia convencional, o interior do poeta. Por isso a constante e imutável alegoria aos usos e costumes da região (actual Arménia) e respectiva época do poeta. Isto porque a isso se deve o que o poeta é (foi). Em causa (objectivo) está a narração da vida do poeta arménio. Mas Sayat Nova revoluciona pela “tal” estética visual que a Parajanov é própria. Sucessão de imagens alegóricas e líricas alusivas aos versos do poeta, abandono de convencionalismos quer estéticos quer narrativos e recorrência sistemática e unicamente ao plano fixo. Abundância de lirismos e metáforas visuais referentes à história e tradições da nação do poeta. Resultante disso está uma obra visualmente inigualável, está, acima de tudo, uma obra-prima que ultrapassa as barreiras do cinema tal qual o conhecemos. Assim (e por isso a extrema dificuldade em ver isto para quem está habituado ao cinema hollywoodesco) a estranheza na forma de aprimorar as imagens como que as expondo tentando transmitir a mensagem/objecto “camuflada” nas “tais” alegorias a que incessantemente recorre. Alegorias essas que transmitem certos ritos e tradicionalismos da época e da região em que o poeta está inserido, sempre aludindo visualmente a uma poesia (à sua poesia, a do poeta), relacionando época/sociedade/usos e costumes com a poesia/individuo e sua formação social/intelectual/espiritual. Meio social como base para essa formação e desenvolvimento quer individual quer relativo à poesia de Sayadin. É a procura de Parajanov em analisar os factores condicionantes ou/e determinantes para essa formação. A compreensão do Ser (o poeta).

5 comentários:

Flávio Gonçalves disse...

Bom texto! Concordo contigo. Vi A Cor da Romã há coisa de duas semanas atrás e fiquei surpreendido. E compreendo por que chamam a este o "Andrei Rublev" do Parajanov. Também acho, embora seja de uma forma diferente, claro. Pelo que já pude ver, o seu cinema é muito lírico, muito simbólico e sensível. É sobretudo único, um pouco fora do seu tempo (ou será do nosso?), atento à tradição e costumes, não tem aquele sabor a "moderno" mas é isso que o torna singular. Adoro.

Flávio Gonçalves disse...

Ah, e o Tini Zabutykh Predkiv é também muito bom, já viste?

Álvaro Martins disse...

Muito próprio sobretudo. Já vi este há uns mesinhos mas só agora "encontrei" inspiração para falar dele. E sim, já vi o Tini Zabutykh Predkiv (não tanto radical na estética como este) e o Ambavi Suramis Tsikhitsa (este sim muito similar a Sayat Nova). Deve (em princípio) estar para breve um texto sobre estes dois.

Zé alberto disse...

Olá,

Ando há tanto tempo para ver este filme, mas como só acabo por ver aqueles sobre os quais me proponho rascunhar um texto para postar, este aínda não está na minha mira, por enquanto, mas o teu texto junto com as imagens deixam-me cada vez mais tentado a vê-lo.

Cumpts!

* do Blog CENAS GAGAS

Álvaro Martins disse...

Aconselho Zé :)