Aleksandr Dovzhenko


A história prossegue acompanhando a determinação do protagonista, Vasyl, «que está à frente do comité do Partido na aldeia» (Peña, 2003: 86), e dos companheiros camponeses, que mantêm uma tensão evidente com o kulak que controla a produção dos mesmos e que recusa a venda da área agrária desejada, em comprar um tractor para a comunidade, com a esperança assente em acelerar a produtividade e transformar o campo. Apesar da apreensão do pai, que não compreende as suas ambições e se redime à sua simples condição de camponês, o tractor chega como uma alucinante novidade, que despoleta em todos uma grande curiosidade e alegria (a montagem desta chegada lembra o formalismo patente nos filmes de Eisenstein, que, por sua vez, criticou negativamente a arquitectada em Zemlya). «Iremos prosperar com os tractores», grita Vasyl, em puro contentamento, e, voltando-se para o pai, antevendo o triunfo da tecnologia sobre séculos de humanização ligada ao trabalho da terra, pede-lhe: «Sê livre dessa pá!». Nessa noite, Dovzhenko filma a felicidade extrema vivida por Vasyl, materializada numa dança demorada sobre a lua, concluindo-a num assassínio seco e brutal pelo filho do kulak. O assassínio é assistido unicamente pelo espectador e por um cavalo que, quieto e impotente, nada faz senão apreciar o morto.
A última parte corresponde ao funeral de Vasyl, onde o pai, após ter requerido a presença de toda a aldeia, pede que cante em memória da grande actividade do filho, e esse reconhecimento, colectivo e de grandiosa força, ultrapassa qualquer outro, como o da religião católica. É um último capítulo imbuído de uma força icónica muito própria, entrecortando o funeral com o sofrimento da mulher de Vasyl e com as primeiras dores do parto de uma mulher. A chuva da estação mergulha a comunidade num estado de renovação, e assim se fecha uma obra-prima. De tão original que mostrou ser, Zemlya virá a inspirar e a motivar outros jovens cineastas a criarem o seu próprio caminho e a sua própria perspectiva de como o indivíduo age em sociedade. (...)
(...) Superficialmente percebido, é um pleno cântico ao ideário socialista pois, embora possamos servir-nos da morte do protagonista como um destino que se augura fatídico para o sonho do comunismo (que, efectivamente, comprovou o seu fim, muitos anos depois), compensamo-nos com duas informações que recebemos e que nos confortam: por um lado, vemos o protagonista a dançar sob a lua, antes de ser baleado, significando que este indivíduo, que sem dúvida que transformou o meio onde vivia num sentido, não importa se efémero, de melhoramento e positivo progresso, morreu pleno de felicidade; por outro lado, entendemos que a feitura deste ser humano não foi em vão, sendo reconhecida diante de todo o meio colectivo num funeral que canta a alegria da sua vida. (...)
Flávio Gonçalves in O Sétimo Continente
*Aconselha-se a leitura do texto integral aqui.
4 comentários:
Eu acho uma lástima que um cinema de tal magnitude tenha, por falta de opção, se curvado à pobreza do ideário totalitário.
Muitíssimo obrigado pelo reconhecimento, Álvaro :) O blog anda um pouco parado, mas vou proceder a uma revitalização cheia de força, que espero mesmo que aprecies.
Olha uma coisa, mal possas vê o "Bal" do Kaplanoglu. Vi-o ontem em estreia e é um monumento de filme. Puro cinema, amor e união com a Natureza. Um hino ao Pai feito de imagens e de vida. Tenho a certeza que vais adorar! :)
(assinei com o perfil da minha companheira de casa; assim já sabes que sou eu :P)
Ahhhhhhh, já estava aqui a matar a cabeça a tentar perceber o comentário eheh já fui visitar um blog recente em que ela e tu fazeis parte e tudo ;)
Coincidência que acabei há coisa de meia hora de ler a crítica do LMO ao Bal. Claro que quero ver ;) aliás, tenho aqui mais filmes dele para ver.
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