29 de março de 2011

Madame De... (1953)
Max Ophüls

Ophüls, cineasta do travelling, cineasta do virtuosismo da mise-en-scène, cineasta do amor, da paixão, do romance, cineasta da mulher. Ophüls, cineasta da magnitude da aristocracia, da fome da liberdade interior ou da necessidade interior da mulher em amar, em sair e aventurar-se no amor, fora das convenções sociais, na constante procura da felicidade, da paixão, do fogo da paixão, coisa brutal e ardente que Ophüls parece dizer que só as mulheres o necessitam (ou o buscam), o amor louco, a vontade de abandonar o passado ou o marido ou o luxo ou a posição social pelo amor, coisa que a mulher está disposta e o homem não, porque o homem é mais racional, mais controlado e mais sóbrio. A embriaguez do amor que irrompe bruscamente na mulher. Ophüls, cineasta da brutalidade e da fogosidade da paixão.

Madame De… é tudo isso, nasce na frieza da Madame De ao vender aquelas jóias oferecidas pelo marido (se não me falha a memória nas bodas de prata; e que mulher vende um presente do marido de tal data?) para estas irem até Constantinopla para serem trazidos novamente para si pelas mãos do barão. Assistimos à mudança de atitudes da madame, à mudança de significados que aquelas jóias assumem para ela, à força brutal que a sedução e a paixão brotam. Assistimos ao declínio do casamento (que o general se esforça por manter), ao crescendo da sedução/paixão entre a madame e o barão e sobretudo assistimos à capacidade da mulher em mentir e arranjar esquemas. Ophüls parece, além de lhe atribuir (à mulher) essa necessidade da loucura pelo amor, facultar também essa idoneidade em mentir e fazer tudo pelo amor, a falsidade. Coisa ambígua que o cineasta atribui à mulher. Madame De está acima de tudo fora (ou quer estar) da sociedade em que se insere, isto principalmente quando perde o barão e percebe que para o recuperar terá de abdicar da sua posição. E aquele enclausuramento a que se remete é não só uma indicação dessa pretensão como um “fechar portas” a tudo o que a sua posição requer (e o general percebe isso e por isso o posterior procedimento), e por isso aquele choro junto àquela criança quando o general a obriga a entregar as jóias (afinal ela está não só a chorar pelas jóias como pela sua renuncia ao papel de esposa e futura/hipotética mãe). Tragédia brutal do romantismo, obra-prima do classicismo e dum dos melhores cineastas de todos os tempos.

4 comentários:

Sam disse...

Adoro!

Enaldo Soares disse...

"capacidade da mulher de mentir e arranjar esquemas". Quem diria que nestes tempos de politicamente correto ainda é permitido falar a verdade.

Jorge Rodrigues disse...

Também adoro este filme (aliás, um dos meus vinte favoritos de sempre).

"Ophüls, cineasta do travelling, cineasta do virtuosismo da mise-en-scène, cineasta do amor, da paixão, do romance, cineasta da mulher. Ophüls, cineasta da magnitude da aristocracia, da fome da liberdade interior ou da necessidade interior da mulher em amar, em sair e aventurar-se no amor, fora das convenções sociais, na constante procura da felicidade, da paixão, do fogo da paixão, coisa brutal e ardente que Ophüls parece dizer que só as mulheres o necessitam (ou o buscam), o amor louco, a vontade de abandonar o passado ou o marido ou o luxo ou a posição social pelo amor, coisa que a mulher está disposta e o homem não, porque o homem é mais racional, mais controlado e mais sóbrio. A embriaguez do amor que irrompe bruscamente na mulher. Ophüls, cineasta da brutalidade e da fogosidade da paixão."

E adorei esta descrição.

Grande análise! Cumprimentos,

Jorge Rodrigues

Álvaro Martins disse...

Obrigado Jorge :)