15 de março de 2011

The River (1951)
Jean Renoir

“The screen no longer exists; there is nothing but reality.”
Andre Bazin

The River é uma fábula simples e bela sobre três adolescentes femininas que vivem na Índia (em Bengal) e se apaixonam pelo jovem Capitão John recém-chegado da América. Para elas o rio sagrado (o do título, o rio que corre e que tudo traz e leva consigo, metáfora da vida e de toda a matéria do ser) era tão sagrado quanto o Capitão John, esse herói que lhes vai trazer a descoberta do amor arrastando inerentemente a descoberta da vida. Herói conturbado, ferido no corpo e na alma, amado pelos outros e odiado por ele próprio. Herói mutilado em busca da solidão e da serenidade. Tudo aquilo é a vida, os amores e as paixões, as desilusões e as auto-descobertas que irrompem e rasgam a candura da adolescência, a fome de crescer e de deixar de ser criança, a fome de amor, os temores e os sonhos, a morte, os ritos as crenças e a cultura da Índia (e que admiração pela sua cultura se denota em Renoir!). Que belo é The River, prova cabal de que já não há cinema assim, de que já não há filmes com aquela intensidade, com aquela paixão. Coisa simples e sem sentimentalismos desnecessários (Pedro Costa sabe-o bem). Renoir também o sabia bem. Filmes assim estão perdidos no tempo, clássicos do cinema, os verdadeiros clássicos, aqueles que realmente têm o poder das imagens, da mise-en-scène, da beleza do technicolor, o poder do classicismo que não volta mais, o poder do encantamento que a todos e a tudo inebria e que se perpetua no tempo. Filme implacável, lirismo do amor e da comutação do ser humano, dos jovens e da sua efémera condição adolescente. Mas nada daqueles jovens inadaptados ou rebeldes ou delinquentes de Ray ou de Kazan, nada de irascibilidades inconformadas e tudo mas tudo de inquietações interiores explosivas do amor e da paixão, da ansiedade feroz do crescimento e da aceitação na sociedade. Renoir fala de lirismos tão naturais, tão certos e indubitáveis quanto a descoberta do amor, a auto-descoberta na beleza da adolescência, na transição da adolescência para a vida adulta e sobretudo duma coisa tão utópica como a tranquilidade ou a serenidade total do ser humano, a felicidade. Coisa que a todos atinge, a imensidão da paixão e do primeiro amor, da vida e da natureza, o impacto da morte e da aceitação de que a vida continua. Filme assombroso sobre a vida, nada mais que a vida.

2 comentários:

Rato disse...

Belo comentário, Álvaro. O filme é isso mesmo que escreves, sem tirar nem pôr.

Carlos Natálio disse...

Technicolor na India em 51. Ganda maluco o Renoir. Filme maravilhoso, claro.