26 de maio de 2011

E está tudo dito...

Trinta minutos, um pouco menos ou um pouco mais, bastaram para perceber como se varre e se cose o tão badalado épico de Oliver Assayas, "Carlos". Uma estrela pop intercontinental do terrorismo, quebrador de fronteiras, entre o burguês e o desejo de rebeldia (muito a ver com tanta gente dos dias de hoje, mérito aqui, sem dúvida), narcisista um pouco para o fanfarrão, um sedutor e também alguém que acredita em causas justiçeiras e na força das acções subterrâneas e individualistas contra o imenso e o esmagador. Assayas, que em certos filmes pequenos de facto se interessou pelo frágil e pelo intimista, como por aí se disse, fragilidade e intimismo dos meios e da carne, questão formal e humana, coisa de olhar e acolher, tentar perceber o que a velocidade e a adicção fazem aos corpos e à mente, os pontos perdidos no cosmos, nessa massa ou nessa sujeira, becos e labirintos, ar e suspenção de respiração, etc...


Certo que apesar da longuíssima duração tudo dá ainda a ilusão do estar junto e justo ao que filma, relação bem selada, complexa, essa câmara que não sobe às alturas nem se fixa muito nem abre muito e parece fazer gato-sapato de todas as linguagens, signos, reconheçimentos e admirações do género em que se filia ao mesmo tempo que o parece querer vilipendiar. Ao lado do género e contra o género. Atirando às feras o homem e colando-lhe a câmara. Muito se perdeu agora, daí que pareça ilógico mas com toda a certeza lógico, neste panorama, que desta vez tanta gente se tenha rendido ao que antes cuspiu ou ao que nem sequer passou cartão. Também outro tipo de sentido ou de reacção, a excitação obviamente, fora da escuridão e das aventuras e descobertas da infância, ainda sem ter chegado à acalmia e apaziguamento do tempo que tanto passou , esse ver em paz e prespectiva, tanto ou nada saber, nada e tudo esperar, levar coisas para a frente...estamos na idade da excitação e da masturbação ou do deslumbramento como prova a forma nojenta como a câmara de Assayas capta a tal estrela terrorista ou de como os jornalistas falam do que vêem.

Câmara que não proteje, antes expõe e fere.

Daqui, impossivél agora aceitar o tom (anti) pictórico das superficies dos planos que se confundem com as imagens chanel dos painéis publicitários de rua e assim realçam o que de tão belo e esteticamente aprazível um daqueles seres humanos pode conter. Nem o bom, nem o mau, opaco, claro – só a fotografia e o "belo" traço. Impossivél aceitar esse bailado pornográfico câmara-corpo-meio-corpos, essa dança que entre as bombas, as passareles, o álcool, o fumo e as fodas eleva Carlos ao vedetismo e à moda, nessa vontade de não lidar com o concreto que está em causa, com as coisas e a razão/desrazão, a história, saber-se posicionar, justiça languiana, a tal relação não viciada pela pré-definição e pelo determinismo, logo uma falsidade, ou seja, tudo o que Assayas deixou de parte em direcção ao grande tema e ao barulho elevado da escrita, numa abstracção e numa fragmentação que ao invés do palpável e do suor, o que lhe permitiria ali chegar bem como à fantasmagoria, se fica pelo empolamento cortes-de-segundo faux raccords vestidos com o som pop-punk das passagens que pretendem engatar speed, os discuros ou engates que já outra coisa não podem ser do que preparações para o espéctaculo do audiovisual e da multimédia que tanto percorre os ossos do filme e assim vicia a história e o mundo. Não falemos de politica...pior das idades para isso, a adolescência... Mete impressão ainda o falso enquadramento pelo feito documental que exclui qualquer pulsão de verdade e de abismo que a assunção da ficção que se assume poderia desiminar. Contradição. Longe, bem longe de Bresson - dos modelos homens que fatalizavam cada quadro, espessura de cada parede - mestre confesso. Vibrações e sensorial húmido, racional e ready-made como as músicas coladas e separadas das imagens que se desvaneçem à partida, ossos sem carne. Que agora os jornais e revistas e festivais cubram isto de elogios, nada mais em conformidade com a imposição e regime das imagens e dos formatos que pingam e escorrem e se metarmofoseiam uns sobre os outros e nos outros para se tornarem coisa nenhuma. Televisão no cinema nos ecrãs pc nos laptops ou em último ou primeiro caso no telemóvel ou na playstation. Híbrido como muitos híbridos feitos para ficarem bem nas capas das caras revistas de paris e nos seus textos versando essa contaminação das imagens e dos formatos. "Carlos", coisa nenhuma.

Coisa nenhuma e curiosamente muito próximo do academismo que Assayas criticava nos anos 80, e continua a criticar, a um certo cinema americano, Spielberg sobretudo, só que ainda mais paradoxal e irónico, porque se Spielberg e outros sairam de um classissismo, ou mesmo de um neo-classissimo, Assayas e os outros tantos Assayas, ao filiarem-se nessa destruição, uma espécie de promessa e de pequenez e de "indie" seja para qual coisa for, criam assim uma moda e algo evidentemente próximo da linha de montagem onde tudo ou tanta coisa parecem iguais. Retrocesso.

7 comentários:

Sam disse...

"E está tudo dito..." mas não concordo absolutamente nada.

Quem só concede trinta minutos ("um pouco menos ou um pouco mais") à visualização de um filme de quatro horas nem deveria escrever sobre o mesmo...

Um título dedicado a este tema nunca poderia fugir àquele modelo de realização; enquanto biopic, é necessário envolver o espectador e se estiver longe da verdade, que o faça investigar e saber mais sobre a personalidade.

Álvaro Martins disse...

Mas concordo eu. E os trinta minutos são o tempo necessário para perceber de que matéria é feita esta novela do Assayas, não quer dizer (tanto no meu caso como no do autor do texto penso eu) que se tenham visto só os tais trinta minutos. Passo novamente a transcrever Sam: "Trinta minutos, um pouco menos ou um pouco mais, bastaram para perceber como se varre e se cose o tão badalado épico de Oliver Assayas, "Carlos"." Perceber Sam, basta trinta minutos ou qualquer coisa a rondar esse tempo para perceber. Questão de português.

Depois, podia-te citar aqui n de biopics que fogem àquele modelo de realização...

Enaldo Soares disse...

É um tipo de crítica muito ao gosto dos poetas e àqueles que gostam de uma linha derridiana de refletir à longas horas. É um texto rico, sem dúvidas, coisa de quem sabe o que está a escrever, mas lhe falta uma certa objectividade: afinal, se está diante de um grande filme?

Álvaro Martins disse...

Enaldo, acho que palavras como: "Híbrido como muitos híbridos feitos para ficarem bem nas capas das caras revistas de paris e nos seus textos versando essa contaminação das imagens e dos formatos. "Carlos", coisa nenhuma." e "Coisa nenhuma e curiosamente muito próximo do academismo que Assayas criticava nos anos 80, e continua a criticar, a um certo cinema americano, Spielberg sobretudo, só que ainda mais paradoxal e irónico, porque se Spielberg e outros sairam de um classissismo, ou mesmo de um neo-classissimo, Assayas e os outros tantos Assayas, ao filiarem-se nessa destruição, uma espécie de promessa e de pequenez e de "indie" seja para qual coisa for, criam assim uma moda e algo evidentemente próximo da linha de montagem onde tudo ou tanta coisa parecem iguais. Retrocesso." não são compatíveis com grande filme ;)

Sam disse...

São opiniões: aceito-as mas posso discordar das mesmas :)

Álvaro Martins disse...

Claro Sam ;)

Enaldo Soares disse...

Realmente, tu estás a ter razão.