15 de maio de 2011

Schastye Moe (2010)
Sergei Loznitsa

Schastye Moe começa com um cadáver a ser lançado numa cova e a ser coberto por cimento e terra. Pouco depois somos levados a seguir o homem, o camionista que irá mergulhar (parafraseando Vasco Câmara) "nas profundezas da História, da mentalidade e da sociedade russas". E no trajecto, no primeiro trajecto deste road movie frio e brutal (e não há palavra melhor para qualificar o filme), desde o que parece ser uma estação ferroviária até sua casa onde vai buscar a merenda, ouvimos dentro do veículo uma música que (a julgar pela tradução inglesa) nos diz tudo sobre o filme e principalmente sobre a tal Rússia profunda: How to atone for mother’s tears? We will not return here anymore So many of us fell in this long campaign Our work remains unfinished, but… We are going away, going… Farewell, mountains, you know best What price we paid here What enemy we didn’t conquer What friends we lost here Friend, empty the bottle into three glasses That’s how many survived of out brave unit A third toast, even the wind falls silent on the slopes We are going away, going… Farewell, mountains, you know best What we had, what we gave away Our hopes and our sorrows…Está aí tudo sobre o que é Schastye Moe ou My Joy, os lamentos e a desolação do povo russo (da “mãe Rússia” sobretudo), os fantasmas da guerra e do comunismo (a História), a mentalidade, as profundezas dum povo tão gélido quanto a neve que os envolve. Da História virá logo depois do primeiro encontro com aqueles dois polícias (engraçado como Loznitsa vai lá ter, àquele “checkpoint” policial, no final) na estória do velho (que o salvará mais tarde) onde abruptamente passamos do presente para o passado (segunda guerra mundial) para nos contar como ele (aquele velho) perdeu a sua identidade (e a noiva). E começamos a perceber que Schastye Moe será filme de perda, até porque a canção já assim o augurava. Mas muito mais há ainda para escrever, e mais ainda para perder (que sobretudo se alastra à identidade nacional), mesmo que tudo aquilo, aquele presente que se confunde com o passado, seja mesmo isso de repercussões do passado que estranhamente se volta uma e outra e outra vez a repetir, o não aprender com os erros de que o cineasta falava numa entrevista a VC, e por isso o velho é quem o recolhe do meio da neve e o leva para casa, por isso o reencontro final com o lugar e os polícias como se tudo aquilo fosse um círculo vicioso (palavras do cineasta na tal entrevista) aludindo não só à História como à mentalidade e consciência daquela Rússia tão actual como a de à cinquenta anos atrás.

Schastye Moe é uma viagem que se torna alucinatória e assombrosa (de pesadelo) onde a tal Rússia profunda se manifesta. O que encontramos é a recusa nalgum tipo de compaixão como quando aquela garota com aspirações a puta recusa o dinheiro sem ter que foder, porque ela sabe que aquela Rússia é desprovida de humanismo ou uma qualquer compaixão e o melhor mesmo é habituar-se à brutalidade desta, realismo exacerbado ou visceral que reifica por ali, é a perversão e o abuso de poder da polícia, a implacabilidade daquela noite em que Georgy se perde como tantas outras noites que marca a tal História russa que de violências em violências, resultados de tantos abusos de poder e de discriminações sociais, acabam por seguir sempre o seu rumo (o da violência) sem que nada em contrário o possam fazer, noite essa que determinará o curso daquela viagem, o destino daquele homem, brutalidade das brutalidades que resulta na perda da memória quer do homem quer da sociedade, coisa que os condena a viver naquela desolação animalesca em que o frio e a escuridão da noite rouba qualquer sentido de calor humano ou de fraternização. Mais tarde, noutro flashback, voltamos à História e aí veremos como se tratavam aqueles que acreditavam que ceder aos alemães era um mal menor (mais palavras do cineasta na tal entrevista), episódio dum dos vagabundos que naquela noite se cruzam com Georgy, filho da violência ao qual os outros chamam de mudo, as tais repercussões do passado que está tão embrenhado no presente e nos quais, na verdade, não há distinção, a mentalidade violenta que tarda a desaparecer.

Schastye Moe é uma obra-prima brutal, filme da perda duma identidade à muito perdida, a da própria Rússia que vive desolada e imersa num caos social e mental de perversão, violência e corrupção onde o passado controla o presente e assombra o futuro. Monumental, brutal, implacável…

3 comentários:

Álvaro Martins disse...

força ;)

Diogo disse...

Ainda bem que gostaste! É para já um dos filmes do anos e de certeza que o será até o fim. Belíssima critica

Álvaro Martins disse...

Não gostei Diogo, adorei ;) Obrigado :)