Pier Paolo Pasolini
O que faz de Il Vangelo Secondo Matteo uma obra-prima do cinema não é a simbologia e a aparente recusa à violência que Pasolini adopta (ou não é só isso), é antes ou também a simplicidade com que narra a visão do apóstolo Mateus da vida de Cristo, é a importância dada à palavra porque é filme da palavra e não da acção, é a recusa ao épico e à eloquência das grandes produções hollywoodescas (Ben-Hur, The Ten Commandments, Quo Vadis…), são os primeiros planos (e o filme está recheado de primeiros planos) de Cristo e dos apóstolos e no princípio os de Maria que querem dizer tanto mas tanto… coisas tão violentas e tão brutais quanto as chibatadas e o derramamento de sangue que Mel Gibson mostrou em The Passion of the Christ, coisas que abruptamente emergem no espaço rudimentar do cinema de Pasolini, na beleza lírica da imagem e do semblante quase sempre mergulhado na negrura do capuz do manto e da jovialidade daquele Cristo (já Dreyer no seu La Passion de Jeanne d'Arc tinha bem vincado que é na face que se espelha a fé, que é no primeiro plano que isso se mostra). O que interessa mostrar aqui não é o martírio de Jesus Cristo mas sim a fé e a palavra desse Cristo, a implacabilidade da palavra e da forma com que Jesus proferia os seus sermões, o olhar dele (e implacável é de facto a melhor palavra) para a humanidade (fosse para com os apóstolos para com os sacerdotes ou para com o povo em geral), o mergulho total na sua doutrina e na sua natureza como quando a meio dum sermão um dos apóstolos lhe diz que estão ali a mãe e os irmãos e ele responde “Quem é a minha mãe? E quem são os meus irmãos? Eis aqui a minha mãe e os meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” Tudo ali é palavra, é poesia das imagens e palavra de Cristo pela visão de Mateus o apóstolo. Aqui não há argumento a não ser as palavras do evangelho, não há nenhuma glorificação ou sentimentalismo a querer exaltar e romantizar o evangelho. Não, aqui há a crueza, a simplicidade e o lirismo do cinema de Pasolini. Obra-prima é dizer pouco muito pouco.
7 comentários:
Um dos poucos que não conheço da obra dele. Tenho de resolver. Um senhor.
O meu favorito é o Teorema mas se falar-mos em obras-primas, este filme é um estouro. Boa critica parabéns pelo blog.
Obrigatório!
Pelo pouco que vi do teu blog parece-me oportuno aconselhar-te um filme estreado ca em Portugal este ano mas muito pouco falado, até acho estranho dos blogs que tenho visto ainda não ter visto nada sobre ele. Chama-se My Joy, e é na minha singela opinião um belissimo. Provavelmente conheces... fica desde ja uma recomendação.
Diogo, obrigado. Nunca vi o Teorema (já comecei a vê-lo mas houve qualquer coisa que me impediu de o ver que já nem sei o que foi), mas está na lista sim, assim como o Edipo Rei. Quanto a preferidos gosto muito do Medea e do Decameron e agora deste, mas ainda me faltam ver bastantes.
Sim conheço o My Joy, lembro-me de ler o texto do Vasco Câmara sobre o filme, e já tenho o filme legendado em inglês aqui no pc há mais de meio ano mas vou sempre adiando por causa das legendas, mas já começo a ver que não há ninguém pela internet fora que seja capaz de as traduzir e terei mesmo que o ver com elas em inglês. Paciência.
Sam, sim é isso mesmo.
Diogo (LN), um grande senhor mesmo.
Pessoalmente o cinema de PP Pasolini pouco me diz, apesar de conhecer practicamente toda a obra. Sobretudo quando comparado com outros cineastas italianos: Visconti, Fellini ou De Sica, só para citar os da mesma época. O subversivo "Teorema" ainda será o filme de que tenho mais saudades em rever. Sem esquecer o "Saló", claro. Mas esse é um objecto à parte e não é para todos os dias.
Cumprimentos
O Rato Cinéfilo
Muito bem, é isso mesmo. Concordo contigo Álvaro e este é mesmo um dos meus filmes preferidos. É de levar às lágrimas.
Enviar um comentário