Aleksei Fedorchenko
A Ovsyanki atribua-se-lhe toda a melancolia do mundo, mais que qualquer dor de perda o que reina ali é a melancolia aliada à frieza própria dos russos. Mitos e ritos a misturarem-se com o presente e com as memórias do passado, saudade e lamentos dos que foram e um estado inexorável de melancolia que atravessa o filme inteiro naquela viagem ambígua em direcção ao ritual de incineração do cadáver. Mas a frieza que existe, coisa que sempre me pareceu inerente aos russos (e aos nórdicos), talvez pela neve que quase sempre está lá e que os molda, aqui é qualquer coisa também ambígua. Porque Ovsyanki não é um filme frio por mais neve que tenha, por mais metódicos que aquele homem que acabou de perder a mulher e o narrador que o acompanha (a voz-off é dele) sejam nas suas acções. Não, Ovsyanki é um filme cinzento (e não há melhor cor para a melancolia), singelo, lírico, repleto de movimentos de câmara estrondosos a fazer lembrar Tarr, enquadramentos e planos-sequência monumentais, alguns momentos na procura dos olhares e das expressões na impressão da dor, uma fotografia lindíssima, contemplativo muito contemplativo, naturalista, sempre no caminho de Tarkovsky e Dreyer. No final percebemos que é uma fábula, que é acima de qualquer coisa um filme sobre o amor ou sobre a resistência do amor à morte. Melodrama e romantismo sem lamechices, sem choradeiras e as merdas do costume. Um filme belo.
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