Aleksandr Sokurov
Круг второй (The Second Circle), filme do tormento ou do purgatório como já alguém escreveu, coisa dantesca (e não é só o título que a isso recorre) na formação do espaço ou da leitura temporal ou, mais que isso, na sua conturbada génese temática da morte ou da reacção à morte, espiritualidade e coisa invariável sobretudo da brutalidade do mundo, terrivelmente anacrónica e acima de tudo imutável na sua característica ou melhor na sua origem. Toda a desolação do mundo assola aquele espaço claustrofóbico e dúbio daquela casa em que, filmada por Sokurov, ainda mais abafada fica, como se todo o ar que o ser humano necessita para viver, todo o ar que àquele cadáver foi retirado nos fosse também a nós a pouco e pouco consumindo, em toda aquela negrura do apartamento, como se o local onde o cadáver permanece ficasse também ele contaminado pela obscuridade da morte. Coisa brutal em toda a perplexidade daquele filho, a apatia que lado a lado com a dor ameaça ruir tudo, tudo mas tudo que desaba em cima dos ombros daquele homem, o mundo todo em constante desmoronamento, coisa ascética e tormentosa que vem do interior. A queda iminente aos confins do inferno na terra e na vida, coisa que Sokurov filma magistralmente, monumentalmente, brutalidade das brutalidades, o impacto da morte do ente querido, a força da reacção ou da forma de lidar com a morte e com o que há a fazer, crueldade das crueldades que não dá tempo para chorar a morte de quem se ama causada pela obrigação de limpar o corpo gélido do defunto e tratar do serviço fúnebre, qualquer coisa sagrada que faz com que aquele filho se recuse a cremar o corpo do pai. Melancolia insolúvel que causa irascibilidade no espectador, coisa contínua no tempo, crueza da vida e do ser humano, reflexo deste e da sua insensibilidade, as heranças (ou o que se lhe assemelhe) efémeras que nada mais fazem senão resumir toda uma existência e uma cultura humana, a dor, a morte. Круг второй é um filme sublime, uma obra-prima sem contestação. Assim se faz o bom cinema.
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