23 de abril de 2010

Ταξίδι στα Κύθηρα - Viagem a Cítera (1984)












Ταξίδι στα Κύθηρα é um assombro de filme. Belo, poético, melancólico, apaziguador mesmo com todas as dúvidas e angústias que coloca, existencialista, complexo…. Viagem a Cítera entrou directamente para a “galeria” dos meus filmes preferidos do grego.
Ταξίδι στα Κύθηρα é a história de Spyros, um ex-combatente comunista da Guerra Civil que retorna à Grécia após 32 anos de exílio na Rússia. E, com este retorno, Spyros encara um difícil, estranho e frustrante relacionamento com a família (a ausência de 32 anos assim o requer), principalmente com a filha que vê esse retorno como algo inútil e desnecessário. Mas, além de toda a estranheza e desconforto entre aquele meio familiar, a forma como Spyros se comporta perante aquela realidade é simplesmente angustiante e desoladora. A sua recusa em abandonar a sua terra (a casa e o terreno daquela aldeia nas montanhas – aldeia que está num processo de venda comercial para um futuro resort) como se a terra fosse a única coisa que o prendia ali, como se quisesse reviver o passado, como se a sua permanência na Grécia somente fizesse sentido naquele pedaço de terra. Viagem a Cítera é um filme melancólico, cheio de simbolismos morais sobre o pós-guerra civil grega. Emocional, reflexivo numa mudança social, de mentalidades, de cultura e de política.
Neste primeiro filme da chamada Trilogia do Silêncio (O Apicultor e Paisagem na Neblina são os restantes), Angelopoulos reflecte na ausência do afecto dum pai distante, reflecte na inércia da sociedade actual, reflecte sobretudo na sua descrença no poder político contemporâneo. E aqui envereda pelos exilados, como depois em O Passo Suspenso da Cegonha reflecte nos refugiados. Mas sobretudo são filmes políticos, retratos dum país em renovação, duma mudança social e política, descrentes num progresso a esse nível, melancólicos e mergulhados numa procura nas respostas. São, acima de tudo, filmes que apresentam um conflito interior do Homem, uma fuga interior como escapatória ao absurdo da realidade (Spyros é marginalizado no próprio país – porque, embora tenha perdido a nacionalidade devido ao exílio, Spyros continua grego - e aqui Angelopoulos retrata a falsidade, a burocracia política e social). E por isso o silêncio como resignação dessa realidade, como única forma de ter ainda alguma dignidade.
Viagem a Cítera é um filme sublime, duma beleza a que só Angelopoulos é próximo. E a música de Eleni Karaindrou é simplesmente maravilhosa e responsável por grande parte da excelência do filme, assim como a forma de Angelopoulos filmar, de aproximar a câmara no momento certo, os planos-sequência, a forma como desenvolve a narrativa, como impõe o ritmo do filme, as paisagens, a calma inerente a toda a imagem, a tudo o que é filmado pelo grego. Brilhante.

Sem comentários: