13 de julho de 2023

 

O tédio enquanto instrumento estético 

Recusar aos espectadores o que estes procuram. Recusar, recusar, recusar. Porque haveria um espetador de suportar tamanhos maus-tratos? Tamanho tédio.
Bom, a maioria dos espectadores não o faz. A maioria dos filmes ditos lentos é de facto «aborrecida» (um juízo subjectivo, mas as coisas são como são) e não há assim tanta gente que goste de slow cinema.
Alguns filmes «lentos» possuem o efeito contrário. Prendem o espectador. Servem-se de forma calculada do tédio como instrumento estético. O aborrecido transforma-se em fascinante. São esses os filmes verdadeiramente importantes.
Por que razão aguentamos isso? O tédio. A distância. Em primeiro lugar, porque os praticantes eficazes do slow cinema são mestres na gestão das expectativas. Recorrendo a imagens impactantes, truques auditivos e fragmentos de actividade, o realizador de um filme «lento» mantém o espectador cativado, a julgar que há uma recompensa, uma «compensação» logo ao virar da esquina. É uma chantagem hábil. Se me for embora, vou perder aquilo de que tenho estado à espera. Até o espectador experimentado no slow cinema conta com alguma coisa. Algum momento. Algum fim para as expectativas. A espera vai valer a pena.
Em segundo lugar, porque alguma coisa a acontecer. O cinema permite-nos olhar em volta. Quando é bom, o slow cinema dá-nos algo que ver quando o fazemos.
A terceira razão está relacionada com o acto de ir ao cinema. Ir ver um filme é como ir à igreja. Estabelece-se um compromisso. «Vim cá de livre e espontânea vontade e aceito as regras.» não se sai de uma cerimónia religiosa passada meia hora por ser aborrecida. Os filmes «lentos» tiram partido desse pacto entre o espectador e o que é visto.
Em quarto lugar, temos aquilo a que Haladyn chamou «vontade de tédio». O que desemboca no «sim fervoroso» - o sim nietzschiano -, «que persiste perante a falta de sentido de um mundo subjectivo, na esperança de ver mais (…), de criar sentido onde não existe nenhum.»
(...)

in 'O Estilo Transcendental no Cinema', Paul Schrader