31 de março de 2012

Soy Cuba - Mikhail Kalatozov (1964) ® *****
The Road To Glory - Howard Hawks (1936) *****
Kuroi Ame - Shohei Imamura (1989) *****
Trás-os-Montes - António Reis e Margarida Cordeiro (1976) ® *****
The Misfits - John Huston (1961) *****
Le Havre - Aki Kaurismäki (2011) *****
Faust - Aleksandr Sokurov (2011) *****

Elena - Andrei Zvyagintsev (2011) ****
Gandhi - Richard Attenborough (1982) ****
Five Graves to Cairo - Billy Wilder (1943) ****
Annie - John Huston (1982) ***
A Dangerous Method - David Cronenberg (2011) **
War Horse - Steven Spielberg (2011) *
The Girl with the Dragon Tattoo - David Fincher (2011) *

® Filmes revistos

27 de março de 2012

“War horse” do Spielberg é tudo mas tudo o oposto a que quer chegar, sim é Spielberg a querer alcançar Ford ou até Capra, mas sem pernas para lá chegar (gastou-as todas no cavalo), é Spielberg a fazer tudo mas tudo o que já fez noutros filmes, o sentimentalista exacerbado que não o sabe ser e que comete o erro de o superar (ao sentimentalismo) para chegar ao ridículo, às emoções e sensacionalismos baratos, tal como “Saving Private Ryan” filme com uma historiazinha tão reles quanto a maioria dos seus filmes (tire-se-lhe o cavalo e meta-se-lhe o Christian Bale do “Empire of the Sun”e a história pouco difere), cineasta da desilusão e da megalomania, de quem se perdeu no mundo ou no sistema que ele próprio criou, de quem sabe o que quer mas não o sabe fazer, de quem sabe filmar mas sempre para o espectáculo, porque tudo o que consegue fazer é assimilar-se às historiazinhas das novelas brasileiras, porque tudo o que quer é sensibilizar o espectador e apelar à lágrima no canto do olho, porque não consegue fugir a isso nunca, em nenhum dos seus filmes, porque quase todos os seus filmes parecem filmes infantis. Coisa hipócrita que reclama por lealdade e por amor ao dono ou coisa assim, coisa de tormentos do cavalinho que sofre como gente para no fim se reencontrar com o dono, sei lá, artificialidade das artificialidades que só procura os facilitismos para o mais comum dos espectadores.

26 de março de 2012

“Só me interessa fazer filmes onde o grande centro seja o meu umbigo – que não é notável –, sem público, fora do público, contra o público, de preferência em casa e em sítios da casa, como a banheira, a cama e a retrete...
O público, para mim, não existe. (. . . ) Quando tiver de fazer um filme para o público, acho que faço um filme pornográfico e espectacular.”
João César Monteiro
Era uma vez no Oeste por Serge Daney

25 de março de 2012


A ambiguidade do crime

Numa procura pela ambiguidade da questão, pela sua moralidade ou até pela legitimidade dessa mesma questão, o russo Andrei Zvyagintsev faz com “Elena”, a sua mais recente obra, um filme negro, estilizado e contemplativo, ainda que aquém da monumentalidade do seu primeiro trabalho. E aquém porque “Elena”, ainda que extremamente bem filmado, enquadrado e ambientado, com planos e tempos e movimentos brutais, cai um pouco na previsibilidade dessa ambiguidade procurada, até porque tudo não passa duma história de traição ou do “espectro” dum tipo de noir moderno (ou thriller ou o que se lhe queira chamar - já o anterior se “agarrava” a isso) a misturar-se com o melodrama e a “cair” para a contemplação e a reflexão da coisa (ou da questão), tudo com uma sólida intenção de explorar o interior das suas personagens (à imagem dos filmes anteriores, e todos eles à imagem da sua grande influência literária que me parece ser Dostoievsky), onde tudo se remete a um obscurantismo procurado mas não alcançado duma história de crime e ausência de castigo. Não que tudo isto faça de “Elena” um mau filme, bem pelo contrário, mas limita-o e impede-o de chegar onde “O Regresso” chega. A ausência do castigo (ainda que aquela falha de luz lá perto do final na casa do calaceiro do filho remonte para a consciência que assombrará Elena) vem como que, num registo similar ao de Loznitsa em “Schastye Moe” (ainda que toda a brutalidade e a implacabilidade do filme de Loznitsa estejam ausentes aqui), condenar social, moral e politicamente uma Rússia moderna e pós-comunista onde tudo se remete para um caos moral e social e onde tudo vale para proteger os seus. No fim, o russo tenta questionar o acto de Elena, como que a perguntar se realmente a extinção premeditada duma vida (ainda que já estropiada e condenada a essa extinção mais tarde ou mais cedo) justifica as oportunidades que essa mesma extinção ou “ceifadela” trará a outra (ainda que esta se afigure na plenitude da jovialidade).

22 de março de 2012

Do classicismo à efabulação

Primeiro ponto, e ponto essencial, “Le Havre” de Kaurismäki é para quem gosta de Kaurismäki, porque por mais que digam que o cinema do finlandês corre o risco de incorrer num “martelamento” ou num “ciclo repetitivo” ou coisa parecida (como o do Kusturica ou do Woody Allen ou doutros tantos), quem gosta de Kaurismäki gosta e ponto final, que é como quem diz: quais maneirismos ou quais “marcas de autor” que já aborrecem qual caralho! Até porque, ao mais fraco de Kaurismäki (não é o caso deste, bem pelo contrário) oponho o melhor de muito cineasta em voga lá por Hollywwood.

Segundo: em “Le Havre” temos um irromper de cores, de luz e de vivacidade que contrasta com a típica frieza e apatia dos personagens do cinema de Kaurismäki, bem como o tema melodramático que a isso também foge. Tudo a lembrar o velho technicolor sim, mas tudo numa veia classicista esplêndida como que a querer sempre lembrar que aquilo é cinema, tudo perfeito nos planos e nos enquadramentos e nos movimentos e no tempo disso tudo (como naquela cena da carrinha em que Marcel vai agarrado a Arletty a caminho do hospital), tudo simplesmente deslumbrante numa fábula cheia de luz e de cor para nos dizer que o mundo é belo e que ainda há humanidade e esperança no ser humano.

17 de março de 2012

“The Misfits” do Huston é qualquer coisa de tão bravio quanto os mais bravios do Ray ou do Kazan, coisas que aos inadaptados e aos rebeldes são próprias, coisas infecundas na moral das coisas que é como quem diz na moral dos tempos e das bíblias e dos homens sagrados, poder aos homens diriam os homens de outrora ao que Huston rejeita para seguir no caminho de Hawks e gritar ao mundo que o poder é das mulheres e só das mulheres e que por elas o homem muda. Coisas do pós-western ou do fim do homem sem lei ou sem terra, do fim desse vaguear pelo mundo e pelos vales e montanhas que atravessam essa América mítica do Ford, do Hawks, do De Toth, do Mann e doutros tantos, coisas do que ficou e dessa nova América que restou. Passa por ser um melodrama inusitado que abandona o western ou o que dele se herdou, das formas que o cinema vincou nesse mundo instável e fervoroso que a Hollywood clássica e perdida tanto cimentou.

13 de março de 2012

O fantasma da morte

“Kuroi Ame” de Shohei Imamura conta-nos o percurso duma família no pós-bomba de Hiroshima. Tudo anuncia a morte, tudo alude ao trauma e aos efeitos da bomba, o que ficou e como ficou. Implacável filme que reclama vida e paz, mesmo que a morte esteja sempre ali presente, mesmo que tudo seja negro como a chuva que cai depois da tragédia e que dá título ao filme. Se há coisa que o filme de Imamura faz é trazer uma certa candura e um certo lamento pelas vidas afectadas pela bomba, a contaminação lenta e continuada daquelas pessoas tocadas pela radioactividade da bomba que vai desmoronando não só aquelas vidas como aquelas paisagens, o negro da chuva que a pouco e pouco vai escurecendo aquele local e tudo o que o integra e rodeia. Por isso torna-se quase irrisório todo o esforço feito por aquele tio (em vão) em arranjar marido para Yasuko, porque tudo o que Imamura faz é assombrar o ser humano, aquele ser humano afectado pela bomba (não só aquela família mas quase toda aquela comunidade), pelo passado traumático que teima (e não há como se dissolver) em deter aquelas gentes numa espécie de clausura claustrofóbica e caótica que condiciona e sentencia o personagem (ou os personagens) para esse ambiente traumático e desolador que envolve todo o filme (voz-off incluída) e para o fantasma da morte deixado pela explosão da bomba.

7 de março de 2012

Duas ou três coisas sobre “The Road To Glory” do Hawks.
Primeiro: coisas prescritas, sombras da morte, do inferno presente na terra, negrura agreste sobre aquelas três almas envoltas pelas tais sombras da morte, do perigo que paira sobre elas. Névoas obscuras a profetizar a tragédia, o poder da mulher, da sedução da mulher, do amor, isto tudo ainda que em tempos de guerra. Sombras.
Segundo: patriotismo, dever de defender a pátria, honrar a pátria, a companhia ou o regimento criado já longe no tempo por Napoleão, coisa tão Fordiana quanto Hawksiana.
Terceiro: coisa anti-guerra cheio de coisas da guerra que atestam contra a guerra, melodrama assumido desde que se percebe que ela está com La Roche por compaixão, desde que o conflito entre aquele triângulo amoroso estala, o negro da guerra e da morte a misturar-se com o negro da indecisão interior daqueles dois amantes e do medo de magoar La Roche.
Último: Lionel Barrymore já velho mas mesmo assim a mostrar o grande actor que foi.