9 de abril de 2010

Offret (1986)
Andrei Tarkovsky

No princípio era o Verbo. Porque papá?

Finalmente vi Offret (o único filme de Tarkovsky que nunca tinha visto) - e digo finalmente porque era uma das minhas mais importantes falhas (se não a mais importante) - e, como em tudo o que a Tarkovsky diz respeito, fiquei maravilhado com esta última obra do mestre russo. Porque Offret é belo, é lindo demais, é o filme mais puro do mundo. Porque Tarkovsky foi o maior de todos, porque Offret é uma despedida de génio, um singelo adeus com uma forte consciência de fé, de esperança, uma obra-prima com todas as letras.

Offret é uma obra na qual é possível perceber o desespero de Tarkovsky pelo fim que se aproximava, o fim… a morte que o viria buscar pouco tempo depois desta obra. E O Sacrifício é um filme melancólico por isso mesmo, por essa presença da procura do cineasta em deixar o seu legado dedicando o filme ao seu filho, pela certeza no fim que chegava. Offret é isso, o reunir de toda uma obra do cineasta num único filme, num filme imponente tanto visualmente (como seria de esperar) como filosoficamente. O existencialismo num estado puro de cinema, a fé dalguns e a falta desta noutros, o sofrimento duma vida, as decisões e os erros dessa vida, a esperança. E Offret é perfeito na transposição dessa fé para o grande ecrã, na contemplação que atinge, nos longos planos-sequência que apresenta - o plano da casa a arder é simplesmente brilhante, genial, extraordinário, imponente, duma destreza magnífica; o plano inicial é outro exemplo -, no naturalismo exacerbado, na beleza das cores.

Offret vagueia pelo mundo insano do cineasta, pelas questões que, mais do que nunca, assombram a mente de Tarkovsky, pela analogia a outro grande nome do cinema que foi Ingmar Bergman (não só pela língua mas pela palavra). Porque aqui, mais do que em qualquer obra do russo, a palavra está presente, as questões existenciais, o conto moral e existencial da árvore que depois de morta volta a florescer dada a insistência, a matéria do corpo e a espiritualização da alma - e daí o sacrifício em prol, mais do que da família e daqueles que ama, da humanidade.

Offret é belo, puro, é sobretudo uma lição de como fazer cinema. Obra-prima absoluta.

12 comentários:

Flávio Gonçalves disse...

Meu deus, agora é que me deixaste em pulgas para ver este! Provavelmente será também o último que verei de Tarkovsky, mas será ainda este mês por causa do especial lá do blog. Mas se amei o "A Infância de Ivan" e o "Nostalgia", imagino o que serão os outros...
1 abraço

Unknown disse...

Sem dúvida, uma despedida de génio. Eu sou mais velho do que tu, Álvaro. E lembro-me bem quando estreou este filme. Disse a um amigo que ia a Lisboa para ver o filme. E foi. Quando o voltei a ver perguntei-lhe: "Então, gostaste?". Gostei, mas é demasiado Nietszche para mim, tu vais gostar mais!". Nunca me esqueci destas palavras. Ele sabia que eu tinha uma propensão filosófica existencialista e que gostava de cinema metafísico.

"Offret" é uma soberba meditação sobre o mundo e o homem, a solidão e a iminência da morte. Aqueles planos da árvore, o diálogo entre o avô e o neto e os vários planos-sequência fazem deste filme uma obra-prima.

PS - não sei se sabes que a última cena da casa a arder - dada a complexidade de toda a situação - foi filmada duas vezes, para grande desespero do realizador.

Unknown disse...

Flávio: só viste dois do Tarkovski? Hmm, falha grave ;)

Vais adorar "Stalker", "O Espelho" e "O sacrifício".

Álvaro Martins disse...

Flávio, como disse o Victor, falha grave ;) Vê o resto, são tudo obras-primas.

Victor, já sabia dessa última cena da casa a arder porque li (se não estou em erro) no Cine Resort o teu comentário ;)
Quanto ao filme, obra-prima mesmo. Fiquei com vontade de o ver e ver e ver.

Flávio Gonçalves disse...

Victor, vou vê-los a todos este Abril ;) Mas obrigado, espero ansioso todos.

Abraço

Unknown disse...

Fazes bem em ver Flávio. Depois conto ler as tuas argutas análises - como as do Álvaro, de resto.

Agora é um desabafo: quando eu tinha a vossa idade - não que eu seja velho mas é pelo facto de vocês andarem na casa dos 20 e tal anos - desesperava por só ter um amigo que tinha a mesma paixão pelo Tarkvoski que eu. Hoje, não sei se é pelo advento da internet, da facilidade de acesso aos filmes, é com agrado que constato que jovens vomo vós (entre outros) gostam do cinema genial do cineasta russo.

Álvaro Martins disse...

Acho que é isso mesmo Victor, a facilidade de acesso ao cinema de certos e determinados génios que advém da internet, que na televisão ou nos cinemas (excepto Lisboa e Porto) não é possível aceder. E digo-te mais, no meu caso, na cidade onde nasci e moro, só conheço mais uma pessoa que goste de Tarkovsky e do "cinema de autor" que, só por acaso é da minha família ;), mas isto para te dizer que a internet até isso facilita, o diálogo, a partilha de ideias e gostos quer a nível cinematográfico ou musical ou seja que tipo for. Porque na verdade, mais uma vez exceptuando as grandes metrópoles devido ao grande número da sua população, o que a malta gosta mesmo é de cinema de acção e fantasia, principalmente de Hollywood. Nós, e muitos como nós (felizmente), somos casos de excepção.

Unknown disse...

Sim, é isso.

Eu lido profissionalmente com muitos jovens e sondo sobre as suas referências culturais. Na música e no cinema são raríssimos os casos de jovens com boas referências. Uma vez uma turma inteira nunca tinham visto um único filme do Hitchcock! Grassa uma ignorância enorme em termos de cultura audiovisual nas gerações mais novas. Mas claro, há sempre excepções.

Anónimo disse...

Era demasiado obvio que ias adorar o filme :D É Tarkovsky e é uma grande despedida!

Não sei se compraste o dvd, eu tenho-o e os extras são muito bons!
Mostra as duas filmagens da cena da casa a arder e o pânico de Tarkovsky!

E com esta obra termina o legado imortal do génio

:)

Álvaro Martins disse...

Não, não comprei :( Mas acredita que quando tiver oportunidade compro, tanto este como outro qualquer dele.

Manuela disse...

Parabéns pela crítica ao filme.É sem dúvida uma obra prima.

Álvaro Martins disse...

Obrigado Manuela.