André De Toth
João Botelho a ensinar o que Jean - Marie Straub lhe ensinou: "um western de Boeticher pode ser tão bom como um de Ford".
Um Western de André De Toth pode ser tão intenso e vibrante e materialista e cheio de segredos e zonas escuras como um de Ford ou Boeticher.
"Day of the Outlaw", 1959, sem Randolph Scott mas com Robert Ryan, a preto e a branco e não a cores descoloridas , comprimido e irrespirável, pode fazer remissões aterradoras ao cinema de Straub/Huillet. Mas não interessa muito ou interessa tudo.
João Bénard da Costa sobre "Forty Guns", outro insuportável:"Fuller, que sempre foi de conter a respiração, como quando muito se corre ou como quando muito se ama, não foi ao oeste para respirar naqueles imensos espaços, sublinhados pelo scope. Foi para nos comprimir num espaço que é um momento perdido nesse espaço."
Onde Fuller explode e estilhaça e impõe o sumptuoso e doloroso liricismo, De Toth implode e ameaça a catástrofe a qualquer segundo e em qualquer cena. Está tudo nas rugas e na beleza
da planura da imagem e lá dentro muito dentro.
Longe (aparentemente) das grandes respirações orgánicas das paisagens de Ford; Longe (aparentemente) da fúria mineral e do pó dos duelos de "Seven Men from Now" ou "The Tall T"; Longe (aparentemente) dos Straub e de tudo o que eles significam?
Mais perto de Anthony Mann e do seu scope ou bastante mais perto de outro grande e imensamente (criminosamente) esqueçido western fora-da-léi, o feérico "Track of the Cat", do
igualmente esqueçido William A. Wellmen?
Chega de perguntas, chega de "raccords". Chega? O que liga tudo isto é que apesar das traições e das humilhações, dos fracos e das fraquezas, das mentiras e dos judas, estamos em "mundos de homens". Mundos de justiças, de honra, de bater forte e de repor coisas no lugar certo, de tirar a limpo. Onde quem bate nas mulheres apresta-se a levar na boca e onde crianças reconheçem e compactuam com os
de bom coração. Galáxias, constelações e abismos, valores e emoções, sentimentos, que faz de tudo uma e a mesma coisa. Impossivél nos dias de hoje.
André De Toth foi igualmente aos grandissimos espaços e à neve, às florestas e ao frio que corta, enfiou-se nas pequenas habitações como Wellman também o fez no "Cat", revestiu tudo isso
sobre um preto e branco sem meias medidas, denssíssimo/escuríssimo/branquíssimo, aplicou a elevada largura e o rasgamento da lente a um enclausuramento brutal onde só nos limites da profundidade poderemos sonhar e fugir para onde as bordas do enquadramento e a distância adoptada jamais dão tréguas. Aquele suposto verde e aquele suposto branco como nos contos infantis...
A parte final, lá fora, é o teatro (palavra fundamental tanto para a forma cinematográfica como para a dissimulação dos homens que andam pelo filme) do horror onde o paroxismo e a contenção já explodiram e a tragédia e o rasto de perpetuação se confirmam. Sem "happy end" possivél. Sem pacificação.
André De Toth cinesta da matéria. André De Toth cineasta da forma. André De Toth cineasta da mise-en-scéne. "Mise-en-scéne" palavra tão mal entendia, mal aplicada e mal executada.
Mise-en-scéne, princípio do cinema e príncipio do olhar. Princípio de toda a forma.
André De Toth sabe-o tão bem como Oliveira e Rivette e o modo magistral, seco e claro como expõe tudo isso está numa das sequências mais impressionantes de timming, découpage
e utilização da câmara que alguma vez vi. Robert Ryan desce as escadas e prepara-se para incendiar tudo; o seu parceiro está deitado na mesa e não parece lá grande coisa;
Ryan tenta alcançar a garrafa do fogo e é severamente ameaçada; ecos de duelo e de confrontos no ar; Ryan não se encolhe, tenta reforços e ajudas; Põe uma garrafa vazia a rolar sobre o balcão. Magnífico , verdadeiramente magnífico travelling de acompanhamento sobre a garrafa. Um dos mais inacreditáveis e insólitos que já vi. Para a direita. Quando esta (a garrafa) deixar de rolar as balas atingirão as carnes sem piedade. Haverá sangue.
Mas tudo isso é cortado pela entrada dos intrusos que tudo revertirão e porão em causa.
Uma hora depois, mais coisa menos coisa, e já estão os intrusos a sair de casa. Para o inferno. De Toth aproxima-se de uma jovem mulher e aplica-lhe um não menos fabuloso e terno travelling sobre o olhar. Para a direita.
Não há saída e o génio de um imenso cineasta é assim liberto e sentido, na pele.
"Day of the Outlaw". "Track of the Cat". Monumentos singulares. Monumentos sussurados. Monumentos para alguns. "Foras-da-léi, os outros são todos conheçidos". Foi o que alguém me disse e é toda a verdade que importa. Abraço.
Um Western de André De Toth pode ser tão intenso e vibrante e materialista e cheio de segredos e zonas escuras como um de Ford ou Boeticher.
"Day of the Outlaw", 1959, sem Randolph Scott mas com Robert Ryan, a preto e a branco e não a cores descoloridas , comprimido e irrespirável, pode fazer remissões aterradoras ao cinema de Straub/Huillet. Mas não interessa muito ou interessa tudo.
João Bénard da Costa sobre "Forty Guns", outro insuportável:"Fuller, que sempre foi de conter a respiração, como quando muito se corre ou como quando muito se ama, não foi ao oeste para respirar naqueles imensos espaços, sublinhados pelo scope. Foi para nos comprimir num espaço que é um momento perdido nesse espaço."
Onde Fuller explode e estilhaça e impõe o sumptuoso e doloroso liricismo, De Toth implode e ameaça a catástrofe a qualquer segundo e em qualquer cena. Está tudo nas rugas e na beleza
da planura da imagem e lá dentro muito dentro.
Longe (aparentemente) das grandes respirações orgánicas das paisagens de Ford; Longe (aparentemente) da fúria mineral e do pó dos duelos de "Seven Men from Now" ou "The Tall T"; Longe (aparentemente) dos Straub e de tudo o que eles significam?
Mais perto de Anthony Mann e do seu scope ou bastante mais perto de outro grande e imensamente (criminosamente) esqueçido western fora-da-léi, o feérico "Track of the Cat", do
igualmente esqueçido William A. Wellmen?
Chega de perguntas, chega de "raccords". Chega? O que liga tudo isto é que apesar das traições e das humilhações, dos fracos e das fraquezas, das mentiras e dos judas, estamos em "mundos de homens". Mundos de justiças, de honra, de bater forte e de repor coisas no lugar certo, de tirar a limpo. Onde quem bate nas mulheres apresta-se a levar na boca e onde crianças reconheçem e compactuam com os
de bom coração. Galáxias, constelações e abismos, valores e emoções, sentimentos, que faz de tudo uma e a mesma coisa. Impossivél nos dias de hoje.
André De Toth foi igualmente aos grandissimos espaços e à neve, às florestas e ao frio que corta, enfiou-se nas pequenas habitações como Wellman também o fez no "Cat", revestiu tudo isso
sobre um preto e branco sem meias medidas, denssíssimo/escuríssimo/branquíssimo, aplicou a elevada largura e o rasgamento da lente a um enclausuramento brutal onde só nos limites da profundidade poderemos sonhar e fugir para onde as bordas do enquadramento e a distância adoptada jamais dão tréguas. Aquele suposto verde e aquele suposto branco como nos contos infantis...
A parte final, lá fora, é o teatro (palavra fundamental tanto para a forma cinematográfica como para a dissimulação dos homens que andam pelo filme) do horror onde o paroxismo e a contenção já explodiram e a tragédia e o rasto de perpetuação se confirmam. Sem "happy end" possivél. Sem pacificação.
André De Toth cinesta da matéria. André De Toth cineasta da forma. André De Toth cineasta da mise-en-scéne. "Mise-en-scéne" palavra tão mal entendia, mal aplicada e mal executada.
Mise-en-scéne, princípio do cinema e príncipio do olhar. Princípio de toda a forma.
André De Toth sabe-o tão bem como Oliveira e Rivette e o modo magistral, seco e claro como expõe tudo isso está numa das sequências mais impressionantes de timming, découpage
e utilização da câmara que alguma vez vi. Robert Ryan desce as escadas e prepara-se para incendiar tudo; o seu parceiro está deitado na mesa e não parece lá grande coisa;
Ryan tenta alcançar a garrafa do fogo e é severamente ameaçada; ecos de duelo e de confrontos no ar; Ryan não se encolhe, tenta reforços e ajudas; Põe uma garrafa vazia a rolar sobre o balcão. Magnífico , verdadeiramente magnífico travelling de acompanhamento sobre a garrafa. Um dos mais inacreditáveis e insólitos que já vi. Para a direita. Quando esta (a garrafa) deixar de rolar as balas atingirão as carnes sem piedade. Haverá sangue.
Mas tudo isso é cortado pela entrada dos intrusos que tudo revertirão e porão em causa.
Uma hora depois, mais coisa menos coisa, e já estão os intrusos a sair de casa. Para o inferno. De Toth aproxima-se de uma jovem mulher e aplica-lhe um não menos fabuloso e terno travelling sobre o olhar. Para a direita.
Não há saída e o génio de um imenso cineasta é assim liberto e sentido, na pele.
"Day of the Outlaw". "Track of the Cat". Monumentos singulares. Monumentos sussurados. Monumentos para alguns. "Foras-da-léi, os outros são todos conheçidos". Foi o que alguém me disse e é toda a verdade que importa. Abraço.
José Oliveira
retirado daqui
13 comentários:
Álvaro, ainda esta semana o postei no meu blog, hehe. É um fimaço mesmo.
Presta atenção a um que vou postar chamado "Silver Lode", do Allan Dwan. Outra grande obra. ;)
Eu sei Chico, foi de lá que o saquei eheh vou estar atento a esse ;)
Acabei do ver agora, é dos melhores westerns que já vi, melhor que muitos fords e mann. Ganda filme.
Já vi o Hadewijch, e é um grande filme, ao melhor nível dele, embora, a tempos, me pareça chato e mal resolvido. Talvez se pudessem resolver certos aspectos de outra forma, mais surpreendente; mas isto é só a minha visão. Eu gostei muito deste novo Dumont. O valor metafísico do filme está mais presente do que nunca naquela cabeça...
Zé, nem mais, ganda filme eheh
LN, é isso, falta aquela explosão que há no Twentynine Palms e no La Vie de Jesus, aquele choque. Eu acho que tentou, com aquele episódio do terrorismo, mas tentou-o numa abordagem mais distante, mais soft, parece-me. Mas é um grande filme sim, e concordo plenamente com esse pormenor do metafísico, só acho que fica aquém de tudo o que fez anteriormente. Mas oponho o pior Dumont ao melhor Nolan eheh
Gostei do blog. Parabéns!
Apareça na minha revista eletrônica brasileira de cinema:
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
Obrigado.
Já e gostei mais deste do que do Silver Load, este é mesmo uma obra-prima. Ainda não vi mais nada de De Toth mas estou curioso ;) e tens toda a razão, é graças ao Chico que estamos a descobrir estas pérolas eheh
Muito fixe esse Chico, hehehe.
Por vezes dou cabo da mioleira a pensar no que vou pôr a seguir ;)
Acredito Chico, acredito :)
Também gosto muito do que o José Oliveira escreve. Tenho que ver este filme..
Vê João, é mesmo muito bom.
Ce post m'a beaucoup aide dans mon positionnement. Merci pour ces informations
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