Sharunas Bartas
"Mãe.
Mãe, muitas vezes eu quis falar contigo sobre tudo...mas nunca o fiz. Mas no meu interior, lá no fundo, eu falava contigo. Eu pude sentir e ouvir as tuas respostas. Mas cada vez que vinha aqui ouvir-te...eu não podia mais falar contigo.
Estou silencioso. Todas as palavras foram já faladas. Faladas interiormente. E todas as minhas questões...respondeste-as lá no fundo do meu interior. Antes disso sempre aconteceu assim. Quando estávamos afastados. Longe um do outro. Era assim que era antes. Como acontecia antes. E nunca mais voltará a acontecer. Não interessa quanto o queira...
O futuro. No futuro sou livre. Livre porque ainda não existe. Não compreendo o presente. O presente é tão efémero...não tenho a certeza que exista."
O primeiro plano d’ A Casa, um plano geral do exterior duma casa, fixo, é acompanhado por uma voz que lê uma carta à mãe (que se pode ler em cima). Aquela voz, a qual deve pertencer ao Francisco Nascimento (que protagoniza o filme), fala-nos de mágoa e duma certa incomunicabilidade entre os dois, de nostalgia. Há ali algo que acaba, por isso ele diz E nunca mais voltará a acontecer. Não interessa quanto o queira…, mas o que é esse algo? Aquilo que parece óbvio, e conhecendo um pouco da sua obra (falta-me ver o Seven Invisible Men, o Trys Dienos e o novo Indigène d'Eurasie), especulamos na pátria, na desolação da pátria, no trauma social que o desmembramento da URSS deixou. Ou seja, a mãe desta carta é a pátria, a sua Lituânia. E o que acabou foi a antiga pátria, a URSS. Deduzimos então que A Casa vem (à imagem de tudo aquilo que já fez e com especial similaridade com O Corredor, particularmente no espaço (quase na totalidade interior) e nas pessoas que traduzem essa desolação socioeconómica da Lituânia com aquele vaguear pelos compartimentos da casa, aqui, e na fábrica, no Koridorius) criar metáforas do caos e da desolação da sua pátria resultante do fim da União Soviética.
O que vem a seguir é o tédio, a desolação. Aquela casa, uma mansão antiga, aristocrata, passa a ser o filme. Tudo o que Bartas filma é lá dentro (até ao final em que volta ao exterior (noutro ângulo primeiro e frontalmente depois) para filmar a chegada do exército, o fim da pátria (sim porque ele sente-se soviético), a chegada do caos, e para acabar de ler a carta). Aí, vagueando pelos compartimentos daquela casa, observando pessoas e animais que vagueiam por ali, desoladas, mergulhadas no tédio e na apatia do caos, acompanhamos um homem (o actor português). Não sabemos donde vem nem quem é, não há diálogos, as únicas palavras que ouvimos são as da carta (no principio e no fim), não sabemos quem são aquelas pessoas que pouco a pouco vão aparecendo. E começamos a desconfiar que aquela casa é mais uma metáfora da pátria, são memórias da voz que lê a carta. Porque faz sentido, porque tudo indica assim (os olhares, a desolação daquela gente (donde vem aquela gente? Quem são?), a procura do grotesco, do feio e do belo, do velho e do novo, a tentativa dessa antítese que traz a conotação política, as expressões, o tédio e a resignação do caos, o exército no final, a morte do negro (a morte do comunismo talvez), a carta que fala de algo que nunca voltará por muito que se queira). E, portanto, se aquela casa simboliza a pátria perdida, é inevitável que não se compreendam todos aqueles ritos enigmáticos a que assistimos durante quase duas horas como a alienação e a depressão da instabilidade socioeconómica do país. Por isso o vaguear sem rumo, como que perdidos naquele espaço. Isto é cinema para pouca gente, para quem ama o cinema.
Mãe, muitas vezes eu quis falar contigo sobre tudo...mas nunca o fiz. Mas no meu interior, lá no fundo, eu falava contigo. Eu pude sentir e ouvir as tuas respostas. Mas cada vez que vinha aqui ouvir-te...eu não podia mais falar contigo.
Estou silencioso. Todas as palavras foram já faladas. Faladas interiormente. E todas as minhas questões...respondeste-as lá no fundo do meu interior. Antes disso sempre aconteceu assim. Quando estávamos afastados. Longe um do outro. Era assim que era antes. Como acontecia antes. E nunca mais voltará a acontecer. Não interessa quanto o queira...
O futuro. No futuro sou livre. Livre porque ainda não existe. Não compreendo o presente. O presente é tão efémero...não tenho a certeza que exista."
O primeiro plano d’ A Casa, um plano geral do exterior duma casa, fixo, é acompanhado por uma voz que lê uma carta à mãe (que se pode ler em cima). Aquela voz, a qual deve pertencer ao Francisco Nascimento (que protagoniza o filme), fala-nos de mágoa e duma certa incomunicabilidade entre os dois, de nostalgia. Há ali algo que acaba, por isso ele diz E nunca mais voltará a acontecer. Não interessa quanto o queira…, mas o que é esse algo? Aquilo que parece óbvio, e conhecendo um pouco da sua obra (falta-me ver o Seven Invisible Men, o Trys Dienos e o novo Indigène d'Eurasie), especulamos na pátria, na desolação da pátria, no trauma social que o desmembramento da URSS deixou. Ou seja, a mãe desta carta é a pátria, a sua Lituânia. E o que acabou foi a antiga pátria, a URSS. Deduzimos então que A Casa vem (à imagem de tudo aquilo que já fez e com especial similaridade com O Corredor, particularmente no espaço (quase na totalidade interior) e nas pessoas que traduzem essa desolação socioeconómica da Lituânia com aquele vaguear pelos compartimentos da casa, aqui, e na fábrica, no Koridorius) criar metáforas do caos e da desolação da sua pátria resultante do fim da União Soviética.
O que vem a seguir é o tédio, a desolação. Aquela casa, uma mansão antiga, aristocrata, passa a ser o filme. Tudo o que Bartas filma é lá dentro (até ao final em que volta ao exterior (noutro ângulo primeiro e frontalmente depois) para filmar a chegada do exército, o fim da pátria (sim porque ele sente-se soviético), a chegada do caos, e para acabar de ler a carta). Aí, vagueando pelos compartimentos daquela casa, observando pessoas e animais que vagueiam por ali, desoladas, mergulhadas no tédio e na apatia do caos, acompanhamos um homem (o actor português). Não sabemos donde vem nem quem é, não há diálogos, as únicas palavras que ouvimos são as da carta (no principio e no fim), não sabemos quem são aquelas pessoas que pouco a pouco vão aparecendo. E começamos a desconfiar que aquela casa é mais uma metáfora da pátria, são memórias da voz que lê a carta. Porque faz sentido, porque tudo indica assim (os olhares, a desolação daquela gente (donde vem aquela gente? Quem são?), a procura do grotesco, do feio e do belo, do velho e do novo, a tentativa dessa antítese que traz a conotação política, as expressões, o tédio e a resignação do caos, o exército no final, a morte do negro (a morte do comunismo talvez), a carta que fala de algo que nunca voltará por muito que se queira). E, portanto, se aquela casa simboliza a pátria perdida, é inevitável que não se compreendam todos aqueles ritos enigmáticos a que assistimos durante quase duas horas como a alienação e a depressão da instabilidade socioeconómica do país. Por isso o vaguear sem rumo, como que perdidos naquele espaço. Isto é cinema para pouca gente, para quem ama o cinema.
12 comentários:
Tenho de ver. Nem conheço nada deste realizador, que já tens falado bem dele cá no blogue.
Uau. Essas imagens e texto... já está a fazer download ;p
Não conheces nada de Bartas? Tens de ver, eu gosto muito. Mas não é pra toda a gente, se é que me percebes ;)
Já viste o do Dumont?
Flávio, obrigado :) já viste algum dele?
Bem, parabéns pelo blog, muito bom. Não conheço isto mas parece interessante.
Obrigado, sê bem vindo ;)
Não. Isso é que me interessa: autores com A. ;) Para genéricos já dá a TV e salas e etc.
Também ainda não vi, nem saquei (faço isso amanhã), ando a ver dos meus DVD's que ainda não vi.
Força nisso. Depois diz algo ;)
Não, Álvaro, nada. Já tenho "A Casa" :) Não tenho legendas em português... sabes se não existem mesmo?
Até há uns dias não existiam, só em inglês. Arranjei essas e traduzi. Tens conta no LegendasDivx Flávio? Se não mando-tas por mail.
Ena, a sério que traduziste? Não tenho conta aí, mas também não sei como me registar. Envia-mas por mail, se me fizeres esse favor :) Ei-lo: f.laviogoncalves@hotmail.com
Obrigado!
Sim, também era pouca coisa :) já tas mandei, espero que gostes do filme eheh
Enviar um comentário