"A Zona" coloca o espectador, com intenso cuidado, no que vem depois dos destroços do cinema narrativo. Pede-lhe sentido de aventura. Vamos ser novos espectadores?
Sandro Aguilar tem sido uma espécie de "Blow up" no cinema português. O que é que tem estado escondido, na série de impassíveis e enigmáticos exercícios (as curtas-metragens que até agora constituíam a sua obra) por trás dessas imagens? Onde é que se esconde Sandro Aguilar, qual é o segredo? De ampliação em ampliação, chegámos à sua longa-metragem "A Zona" (que, sendo a primeira longa do realizador, é uma prova) e não há enigma a resolver, segredo a desvendar. Sem que o filme deixe de ser poderosamente enigmático. Porque o que "A Zona" nos diz é que temos de viver com o(s) enigma(s). E encontrar aí o nosso conforto. É isso que este filme constrói, com os seus fantasmas, e propõe aos seus espectadores. Com uma serenidade conquistada. Não podemos dizer que é um filme pacificado, mas podemos dizer que é um filme que encontra uma zona de conforto para quem estiver disponível a habitá-lo - e a habitá-lo várias vezes. É o que acontece às personagens de "A Zona", os tais "fantasmas": são seres depois do choque, do trauma, dos destroços, que, num hospital, numa unidade de cuidados intensivos, onde a vida e a morte partilham o espaço e definem o tempo - vítimas de acidentes, um rapaz que vela pela morte do pai, o nascimento de um bebé, uma morte, um casal que se forma... -, despertam para outra realidade, outra consciência. A câmara que perscruta rostos, olhos, dedos de quem foi atirado para a beira da morte não é movida por "voyeurismo"; procura, insistentemente, quase amorosamente, sinais de (outra) vida. Cremos que "A Zona" tenta despertar, também, os sinais de outra consciência no espectador: colocando-o, com intenso cuidado, naquilo que vem depois dos destroços do cinema narrativo, daquilo que foi estabelecido como ordem a seguir pela ficção, pede-lhe então outro sentido de aventura, de sensualidade, pede outro tipo de espectador. Temos de estar à altura da intensa curiosidade que alimenta este filme - o mesmo tipo de curiosidade que alimentava "A Mulher sem Cabeça", de Lucrecia Martel, outro filme que também abraçava as possibilidades do pós-trauma (individual, social). Entrámos n' "A Zona". E aí vamos ficar enquanto nos for possível. A ele regressámos várias vezes. A couraça metálica que o faz parecer um ferrenho exemplar de formalismo soviético dos 70s (é claro que se pode falar em Tarkovsky e no seu "Stalker", mas é como andar à procura do enigma em vez de o experimentar...) vai-se desfazendo. A experiência de sucessivas visões revela-se terapêutica. Resgata-se uma intensa fragilidade, muito humana, à qual ficamos presos. Entrámos n' "A Zona"...
Sandro Aguilar tem sido uma espécie de "Blow up" no cinema português. O que é que tem estado escondido, na série de impassíveis e enigmáticos exercícios (as curtas-metragens que até agora constituíam a sua obra) por trás dessas imagens? Onde é que se esconde Sandro Aguilar, qual é o segredo? De ampliação em ampliação, chegámos à sua longa-metragem "A Zona" (que, sendo a primeira longa do realizador, é uma prova) e não há enigma a resolver, segredo a desvendar. Sem que o filme deixe de ser poderosamente enigmático. Porque o que "A Zona" nos diz é que temos de viver com o(s) enigma(s). E encontrar aí o nosso conforto. É isso que este filme constrói, com os seus fantasmas, e propõe aos seus espectadores. Com uma serenidade conquistada. Não podemos dizer que é um filme pacificado, mas podemos dizer que é um filme que encontra uma zona de conforto para quem estiver disponível a habitá-lo - e a habitá-lo várias vezes. É o que acontece às personagens de "A Zona", os tais "fantasmas": são seres depois do choque, do trauma, dos destroços, que, num hospital, numa unidade de cuidados intensivos, onde a vida e a morte partilham o espaço e definem o tempo - vítimas de acidentes, um rapaz que vela pela morte do pai, o nascimento de um bebé, uma morte, um casal que se forma... -, despertam para outra realidade, outra consciência. A câmara que perscruta rostos, olhos, dedos de quem foi atirado para a beira da morte não é movida por "voyeurismo"; procura, insistentemente, quase amorosamente, sinais de (outra) vida. Cremos que "A Zona" tenta despertar, também, os sinais de outra consciência no espectador: colocando-o, com intenso cuidado, naquilo que vem depois dos destroços do cinema narrativo, daquilo que foi estabelecido como ordem a seguir pela ficção, pede-lhe então outro sentido de aventura, de sensualidade, pede outro tipo de espectador. Temos de estar à altura da intensa curiosidade que alimenta este filme - o mesmo tipo de curiosidade que alimentava "A Mulher sem Cabeça", de Lucrecia Martel, outro filme que também abraçava as possibilidades do pós-trauma (individual, social). Entrámos n' "A Zona". E aí vamos ficar enquanto nos for possível. A ele regressámos várias vezes. A couraça metálica que o faz parecer um ferrenho exemplar de formalismo soviético dos 70s (é claro que se pode falar em Tarkovsky e no seu "Stalker", mas é como andar à procura do enigma em vez de o experimentar...) vai-se desfazendo. A experiência de sucessivas visões revela-se terapêutica. Resgata-se uma intensa fragilidade, muito humana, à qual ficamos presos. Entrámos n' "A Zona"...
Vasco Câmara (PÚBLICO)
Sem comentários:
Enviar um comentário