Um corpo nasce do nada. Vejo-o à beira de ninguém, lugar partilhado onde ambos recolhemos o escuro pão de um nome inaudito. Permanecemos antes das palavras, nunca poderemos falar. As vozes são rios silenciosos debaixo da língua. Contornamos os jardins. Magnólias de fumo perturbam a escuridão e derramam os odores no céu, antes que cheguem os homens do lixo. Calemos pois, ao menos por agora, a ternura extemporânea. Esse corpo traz consigo a noite de que precisa. Alimenta-se de noite, não pode abandoná-la em qualquer degrau da solidão, ou em qualquer bar onde esqueça o dia que chegará. Olha-me como se eu fosse mais um vestígio de bruma, um candeeiro fora do percurso da luz. Olhámo-nos como astros frios rasando o asfalto, na cósmica intimidade de uma rua morta. Somos anjos sem nome, diluídos na chuva. Fugitivos das palavras - que não de outras catástrofes mais próximas - sabemos que não adianta vesti-las de meandros e consequências.
O horizonte cerra-se lentamente à volta dos rostos e a garganta das sombras é implacavelmente silenciada.
Fernando de Castro Branco
"Estrelas Mínimas"
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