Um filme de Gabriele Salvatores
Mas que agradável surpresa foi para mim este “Io Non Ho Paura”, traduzindo resulta em “Eu Não Tenho Medo”. A partir do romance homónimo de Niccolò Ammaniti, “Io Non Ho Paura” (2001), Salvatores cria uma fábula, um conto arrebatador que nos fala do medo, da privação da liberdade, de enfrentar o medo. E Salvatores fá-lo de maneira extraordinária.
Sul de Itália, um vilarejo abandonado e pobre no meio do nada. O filme abre com um rochedo que supostamente estará confinado a uma caverna, tal é a escuridão a que somos remetidos. Nesse rochedo aparece inscrito Io Non Ho Paura, o título da obra. Com o desenvolvimento do filme percebemos o significado desta cena inicial, em perfeita sintonia com a história. Esta sequência inicial leva-nos a imaginar um filme negro e assustador. Mas rapidamente somos invadidos pelo sol, pela claridade, pelas cores garridas das camisolas das crianças que brincam, pelo amarelo dos campos de trigo que pontuam todo o ecrã. Até que Michelle (Giuseppe Cristiano), tendo que voltar atrás buscar os óculos da irmã, descobre um fundo falso que remete à tal gruta. E a partir daqui, Salvatores inicia a sua exploração pelo medo, pela coragem de Michelle, pela sua curiosidade, pela sua solidariedade ao deparar-se com a visão de um tornozelo. Michelle rapidamente fecha o tampo que cobre a entrada para a gruta. O medo, o susto, invadiram Michelle e a nós, pois Gabriele Salvatores inteligentíssimo deixa-nos na dúvida e na ignorância. Deixa-nos sem saber se é um cadáver ou não. Assim como Michelle, que no dia seguinte volta lá cheio de curiosidade, mas sempre com o medo, o receio a pautar os seus movimentos, as suas acções. Desta vez, Michelle vai mais longe e atira uma pedra tentando comprovar se é um cadáver ou não. E a cena mais assustadora e choque do filme acontece quando, depois de fechar o tampo, ele volta a abri-lo e não vendo o tornozelo debruça-se para dentro da caverna e um menino lhe aparece, deixando-o aterrorizado e fazendo-o fugir numa pressa incalculável na sua bicicleta. E mais não conto. Há que o ver.
Salvatores joga com as cores e com a luz de forma magnífica. Ele cria dois “mundos” literalmente. Dois campos de visão para o espectador, onde cada um deles tem o seu significado. O mundo de Michelle, inocente e curioso, com o medo natural de uma criança (e até de adulto) mas com uma coragem incrível, com um desejo infindável de vencer os medos, de descobrir a realidade. Um mundo vivo, cheio de cor, de alegria, de brincadeira. Do outro lado temos um mundo negro, o mundo de Filippo (Mattia Di Pierro), a criança que está remetida à caverna, um mundo que está ligado ao crime (e isto já é contar mais), um mundo aprisionado, de medo também. Um mundo de escuridão, de morte, num ambiente claustrofóbico.
E esses dois mundos vão a pouco e pouco unir-se, vão se tornando só num, no mundo em que Michelle se vai interiorizando da realidade, da sórdida verdade, do porquê de Filippo estar ali, num mundo que se vai definindo, no mundo em que Michelle cria laços de amizade com Filippo. E cria um mundo de resistência, de esperança para Filippo e para ele próprio. Um mundo de vitória porque venceu os seus medos, um mundo de decepção pela verdade que descobre.
Muito bom.
1 comentário:
esse filme é realmente muito bonito e bem conduzido, assisti-o hoje na minha aula de italiano. mas o nome do menino é MicheLe, e não MicheLLe. micheLLe dá a impressão de nome de mulher (alias se pronuncia "Mi-Que-Le" e não "Mi-Xe-Le")
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