21 de novembro de 2010

Freedom (2000)













Bartas, o cineasta da desolação. Nada mais verdadeiro há que isto.
Freedom, filme da terra e do mar, filme sem mácula e sem fé. Filme do desespero. Filme da tragédia, filme do caminho para a morte.

É tudo tão cru e tão rude em Bartas, tudo tão fora da boniteza do cinema de Hollywood e tão dentro da crueza da vida. Sim, Bartas o cineasta da desolação, da secura e dos planos fixos. Bartas, o cineasta político, pessimista e destrutivo. Cineasta sem fé e sem esperança. Freedom (como Koridorius ou Few of Us) é cinema de silêncios, de expressões, de olhares, de contemplações cruas. Cinema de movimentos humanos e de sons da natureza, de ocultações. Nada se explica, tudo se revela. Nada se conta mas tudo se mostra.

Freedom, porque a liberdade é tudo (mas tem o seu preço). Três homens e uma mulher chegam à costa (presume-se africana). Um deles morre na chegada (ferido pela guarda costeira). Do trio que fica, os dois homens separam-se e a mulher tem de seguir um dos homens. Imigrantes ilegais? Do que fogem? Não há explicações. Mas sabe-se à partida que fogem em busca de algo melhor, fogem da repressão, buscam a liberdade. Por isso, explicar do que fogem é irrelevante. Basta saber que fogem de algo. O que interessa é a partir daquele momento, da chegada à costa. O que importa é descobrir se alcançam o que procuram.

Freedom caminha para uma epifania utópica, para a morte irremediável que assombra aquelas três pessoas. O destino inevitável de quem procura incessantemente sobreviver perdido naquele deserto à beira da costa marítima, no calor desmesurado que lhe abafa a respiração, na busca de alimentos, água e de um abrigo. Tão simples quanto isso.

Mas Freedom é muito mais que um filme de sobrevivência (ou da tentativa desta) de três pessoas. Freedom é a repercussão da desolação do desmembramento da União Soviética, é sobre as consequências do que ficou. É sobre a mentalidade da Europa de Leste. Flagelo do povo, caminho tortuoso da desolação que ficou. A ausência de diálogos (ou quase ausência) espelha o estado do povo de leste, metáfora irrisória da espera (de uma vida melhor, do desenvolvimento, da prosperidade). O que fica é a natureza. O que fica é a vida, força intrínseca da natureza. Por isso a sobrevivência, instinto natural do homem.

Freedom, filme de um sentido inóspito, filme do nada, da espera pelo destino. Carrega a vida no caminho da morte. Perdição frontal e estática do que é humano, controlo poético do desespero, exemplo maior da crueza da remissão. Freedom, filme da solidão, filme da liberdade (ou da angústia de a alcançar), da metáfora e do Ser. Tudo a que Bartas remete transpira apatia e resignação. Resignação do ser humano, da sobrevivência, desolação do recomeço, morte invariável do ser humano, mais importante, da sociedade. A espera e o silêncio. O caos.

Bartas o poeta, Bartas o cineasta da natureza, dos sons, da humildade, dos planos distantes e fixos, da profundidade de campo, dos enquadramentos, do minimalismo. Tão próprio (não há outro como Bartas) quanto influenciado (Bresson, Tarkovsky, Tarr, Sokurov, Godard). Bartas, singular entre os singulares, cinema que caminha por entre as ramificações do que ficou, crise existencial das memórias, fantasmas do pós-comunismo, azedume da natureza humana.

Sim, Bartas o político, o cineasta da desolação. Bartas o cineasta.

2 comentários:

Flávio Gonçalves disse...

Hummmm. Cheira-me bem!

Álvaro Martins disse...

Mas olha que não é fácil ver Bartas. Já viste algum dele?