12 de outubro de 2010

Kinatay (2009)









E se um “puto” de 20 anos acabado de casar, já com um filho e com pretensões a futuro policia, se vê de um momento pró outro enfiado numa carrinha prestes a executar aquilo que chamam de uma “operação”? E se nessa carrinha estão quatro polícias e dois aspirantes (que é como quem diz ajudantes, sendo o tal “puto” um deles) prestes a espancar, violar e desmembrar uma prostituta que não pagou as dívidas resultantes da droga? Qual o estado emocional e psicológico a que este “puto” é submetido? Qual a reacção de Peping (o puto) face ao que sucede? Kinatay procura isso mesmo, explorar o impacto emocional e psicológico de quem é apanhado de surpresa num acto tão violento e perverso quanto este. A corrupção no seu extremo.

Mas Kinatay é muito mais que um simples filme sobre a “eliminação” de uma puta que não pagou o que devia. Kinatay é arte de fazer cinema, a arte de filmar um acontecimento marcante para Peping, arte de filmar a violência. Mas, mais importante, Kinatay descende do neo-realismo italiano (e Kinatay é a prova do que Brillante falava há tempos numa entrevista a Vasco Câmara) ainda que num registo negro e obscuro que a história reclama. É a perda da inocência que está em causa (e por isso aquele final em que, simplesmente, se traduz na continuidade da apatia). E essa apatia (que, como dizia Vasco Câmara, é partilhada por aquele aspirante a policia e por nós, espectadores) nem é criticada, afinal, é parte integrante (face ao que ocorre não só naquele momento como no geral) para a sobrevivência dos que se deparam com este meio, é antes denunciada, exibida. O que Brillante (e nunca um nome foi tão justo) faz é mostrar aquelas horas de angústia e perplexidade emocional que assolam Peping. E fá-lo num registo tão próximo das personagens como que a querer situar o espectador dentro (e depois fora) daquela carrinha. Aliás, essa brilhante (lá está o nome) forma de filmar (a câmara na mão, o ritmo alucinante com que segue o personagem, a aproximação (cola-se literalmente) constante ao personagem) descende dos Dardenne (que por sua vez provêm dum Dogma 95). Mas tudo num negrume que dá corpo a um obscurantismo presente resultante da matéria que se filma (aqui o acto cru e sádico do desmembramento da puta) e da fasquia elevada do tormento vivido pelo “puto” que nos chega por meio do som (ou sons).

Mas o que realmente Mendoza quer mostrar com Kinatay é o estado das Filipinas e da sua sociedade, o “caos” de violência e corrupção em que o seu país está mergulhado (a tal influência do neo-realismo). E mais do que neo-realista, Kinatay é o filme da desesperança, da desumanização. Porque, quando há polícias sádicos e desumanos como aqueles não há esperança que resista. Brilhante Mendoza.

4 comentários:

Tiago Ramos disse...

Lola já vi - um dos melhores filmes do ano. O seguinte será mesmo este Kinatay. E depois vem o Serbis! Começo a ficar fã de Brillante Mendoza.

Álvaro Martins disse...

Acabei agora de ver o Lola e... grande Mendoza sem dúvida. Em breve escreverei algo sobre o filme. Quanto ao Serbis, também já o tenho aqui para ver, mas tendo em conta aquilo que tenho lido (principalmente no ípsilon) tenho algumas reservas quanto ao filme. Mas é para ver claro.

Tiago Ramos disse...

Esses três comprei na FNAC. Saquei também o Masahista. Quanto ao Lola ainda ando a ganhar coragem para escrever sobre ele... é tão bom...

Anónimo disse...

depois do que li no Y, tenho TANTA vontade de ver este filme!

Acho que vou ter de o sacar já :)