6 de maio de 2010

Rang-e Khoda (1999)

A Rang-e Khoda atribua-se-lhe a desmesurada candura de desumanizar o ser humano. A forma angustiante como trata a condição do indivíduo cego – neste caso uma criança. Talvez o simbolismo exuberante de Majidi fosse dispensável, mas a fé assim lho suplica, a forte ligação que o filme tem para com Deus. Em Rang-e Khoda há uma tentativa em aproximar aquela gente o mais possível do divino, em humanizar o desumano e desumanizar o humano. Majidi apoia-se sistematicamente em moralismos e julgamentos. Ele dá àquele pai a dimensão que daria a qualquer outro, não lhe retira nem atribui mais amor pelo filho cego. Não, ele tem o amor que um pai deve ter, mas Mohammad carrega consigo o fardo da sua condição e partilha-o com quem o ama. Porque Rang-e Khoda possui essa estranha candura humana de quem rejeita definições do bem e do mal, embora a complexidade do amor pai/filho acarrete qualquer julgamento pela atitude do patriarca face à situação natural do filho. E é desse julgamento ou moralismo que a redenção é no fim alcançada. Porque depois de Mohammad ser largado junto daquele carpinteiro como aprendiz com o intuito de recomeçar uma nova vida sem ele (que o atrapalha), depois dos remorsos começarem a assombrar constantemente aquele pai face a tal abandono, depois da avó morrer face a essa ausência/abandono do neto, essa redenção confundida com resignação chega como única resposta ao sofrimento/castigo sofrido por aquele pai. No fim advém daí a (re)descoberta do amor dum pai pelo filho. Nesse momento em que a perda o visita por mais uma vez, a dor inunda-o como que por fim a soltar toda a angústia e arrependimento por ter rejeitado o próprio filho.

2 comentários:

Diogo disse...

Este filme é todo sensibilidade e acerca disso. De como a perda de um sentido apura todos os outros... sobre o amor, até ao sangue.

E aquele final, parece deslocado e assim meio pretensioso, mas se te abstraires desse ímpeto crítico é mágico (ou qualquer coisa semelhante).

Álvaro Martins disse...

Exacto Diogo, aqui é mais do que a perda, aqui é causa natural, de nascença. Aqui o iraniano vai mais longe e põe o miúdo a "falar" com os pássaros até. Há toda uma atribuição duma nova vida, dum novo ser. Acima de tudo, é um filme sobre o amor.

Eu gostei do final, da resignação. Não o achei pretensioso. E sim, "é mágico (ou qualquer coisa semelhante)".