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A derradeira obra de Bresson é a mais perfeita dissertação sobre o poder. E que melhor que o dinheiro como figura demonstrativa disso mesmo?
L’Argent é filme sem redenção (ao contrário do que Bresson fizera em
Pickpocket), é filme sem fé (nem por três minutos sequer). Porque a perde à partida. Porque é o absurdo da questão (da nota falsa) que faz com que a fé, que eventualmente pudesse existir, se perca. E nesse campo, onde a fé não tem lugar, Bresson cria não só um estado de absurdismo referente ao caminho que a nota toma (que traz as consequências para Yvon Sarge e o faz seguir aquele destino, o
puro que se torna
impuro), como retoma uma das temáticas mais recorrentes no seu cinema, a angústia. E aqui, como em
Pickpocket ou como em
Au Hasard Balthazar, essa angústia acaba por ceder à força (aqui humana, do poder jurídico) que é exercida sobre eles. Yvon é
corrompido precisamente por aquilo que o deveria
salvar, a justiça. Mas Bresson analisa justamente a injustiça. E
L’Argent procura atribuir essa injustiça à sociedade e ao estado que pouco ou nada se importa com quem faz parte dela. Mas ao contrário de
Un Condamné à Mort S'est Échappé, onde Fontaine nunca perde a esperança e o espírito de sobrevivência e fé, em
L’Argent Yvon resigna-se logo à partida com o destino que lhe é
atribuído. E a consequência dessa resignação imprópria (confundida com letargia) imposta pelo poder humano é esse destino (voluntário) que Yvon (que retorna à cadeia de livre vontade própria) acha ser merecedor. A aceitação do destino que nem ele próprio compreende. O resto, a secura, o minimalismo, o rigor, a atenção desmesurada aos pormenores, a inexpressividade dos seus modelos como lhe chamava, é simplesmente Bresson.
2 comentários:
Dos filmes mais brutais, desoladores e desencantados que tenho memória. Não há qualquer redenção, não.. Bresson - génio!, sem qualquer dúvida..
Exactamente João.
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