27 de fevereiro de 2009

Rocco e i Suoi Fratelli (1960)


Vi este filme pela primeira vez quando tinha apenas 11 ou 12 anos aquando duma transmissão televisiva da RTP2 numa rubrica que existia na altura intitulada “O Filme da Minha Vida”, onde o convidado explicava o porquê do filme em questão ser a sua escolha como filme da sua vida (foi também nesta rubrica que vi passado pouco tempo depois “Amarcord” de Federico Fellini, mais uma obra-prima). Lembro-me que fiquei completamente maravilhado pelo cinema italiano e por este “Rocco e i Suoi Fratelli” em particular. Até então, pouco ou nada conhecia do cinema italiano, foi a partir desta obra de Visconti que iniciei a minha demanda e consequente paixão pelo cinema mais belo e mágico (na minha opinião) de todo o mundo. Foi depois de ver esta obra-prima que “conheci” Fellini, De Sica, Pasolini, Rossellini, Bertolucci, Tornatore, Antonioni, etc. Este “Rocco e i Suoi Fratelli” foi o desencadear duma paixão e admiração minha por um cinema belo e brilhante como o italiano. Ao rever este filme senti-me, por quase três horas (o tempo de duração do filme), como quando o vi pela primeira vez, maravilhado.
“Rocco e i Suoi Fratelli” insere-se na vertente do neo-realismo italiano cinematográfico, já desenvolvido pelo cineasta em obras como “Ossessione” de 1943, “La Terra Trema” de 1950 e “Bellissima” de 1951. Luchino Visconti juntava-se assim a nomes como Vittorio De Sica, Roberto Rossellini (considerado o pai do neo-realismo), Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini e Giuseppe De Santis (este último em conjunto com Visconti fazia parte da tendência marxista) neste movimento da vanguarda do cinema italiano.
O filme conta a história de uma família oriunda de Lucania, que chega à grande cidade de Milão depois da morte do patriarca Antonio Parondi.
Aqui, em Milão, vivia já o primogénito da família, Vincenzo (Spiros Focás), que estava noivo da namorada Ginetta (Claudia Cardinale). Num pós-guerra difícil, Vincenzo depara-se com a árdua tarefa de encontrar um tecto para a família e trabalho para os irmãos, Simone (Renato Salvatori), Rocco (Alain Delon), Ciro (Max Cartier) e Luca (Rocco Vidolazzi), este último ainda criança.
Visconti conta-nos a história dos cinco irmãos por ordem decrescente, começando com Vincenzo e acabando com Luca. Todos estão interligados, o filme trata do desmoronamento de uma família, da decadência de um Simone magistralmente interpretado por Renato Salvatori e de como o amor obsessivo pode mudar uma pessoa. O cineasta italiano atinge com esta obra, na minha opinião, um dos expoentes máximos do neo-realismo a par daquela que foi o marco inicial deste movimento cinematográfico no pós-guerra italiano, a obra de Roberto Rossellini “Roma Città Aperta” (Roma Cidade Aberta) de 1945 e das duas obras-primas de Vittorio De Sica “Ladri Di Bicicletta” (Ladrões de Bicicletas) de 1948 e “Umberto D” de 1952.
Simone e Rocco são as personagens centrais da obra. Dos cinco irmãos, é o rumo destes dois que nos prende ao ecrã. Vincenzo é aqui apresentado como o irmão consciente, que gosta da família mas que quer casar e ter filhos de Ginetta. A história desenvolve-se e complexa-se com Simone. Este torna-se lutador de boxe e rapidamente fica famoso, mas, antes disso é Vincenzo quem encontra a mulher que vai causar toda a destruição entre Simone e Rocco, Nadia (Annie Girardot). Nadia é uma prostituta que vive com o pai no andar de cima de onde a família Parondi reside. É neste momento, em que Vicenzo a convida para casa e a apresenta à mãe e aos irmãos, que Simone e Rocco têm o primeiro contacto com a bela Nadia. A partir daqui, Visconti desenvolve o tema fulcral desta obra-prima, a obsessão. Simone é retratado como um homem que se vai arruinando com a sua obsessão por Nadia e os seus consequentes vícios como o tabaco, o álcool e o jogo. Já Rocco é o oposto de Simone. Rocco, interpretado brilhantemente por um jovem Alain Delon, é-nos apresentado como um “santo”, um homem bom que ama a família e que por sua vontade nunca teria saído de Lucania, a sua terra. No final, existe um diálogo de Ciro com Luca que nos faz a definição completa de Rocco e de Simone e de toda a história do filme. Ciro desabafa com Luca e diz:
“Ninguém amou tanto o Simone quanto eu! Quando chegamos em Milão, eu era um pouco mais velho que tu… e Simone explicava-me as coisas que eu não conseguia entender. Dizia que na nossa terra todos viviam como animais. Só conheciam a fome e a servidão. Que ninguém deve ser escravo do outro…e não se esquecer do seu dever. Mas Simone esqueceu-se disso…e por isso teve esse fim terrível. Arruinou-se e trouxe-nos a vergonha. Ele causou muita dor ao Rocco, e a ti, Luca, que és o menor de todos. Simone era bom, mas meteu-se com más companhias. E o Rocco está errado em ser tão bom e generoso. Ele é um santo. Mas o mundo não é assim. Ele não se defende. Ele perdoa tudo a todos e nem sempre isso está certo!”
Neste desabafo final de Ciro, talvez o mais responsável mas o menos sentimentalista (pelo menos a demonstrá-lo, pois neste diálogo final ele mostra-nos que as suas acções são tomadas com base na racionalização e não no amor fraterno, o que não invalida que ele não o tenha), Visconti faz aqui uma retrospectiva das suas personagens e tenta resumir num desabafo a razão de todo aquele abismo em que Simone cai e arrasta a sua família, principalmente Rocco que é aquele que é mais magoado por ele mas que está sempre pronto a ajudá-lo.
Rocco define-se num curto diálogo, o mais profundo desta obra dito por si mesmo:
“ – Lembras-te Vince? O pedreiro, quando começa a construir uma casa nova, atira uma pedra na sombra da primeira pessoa que passa.
– Porquê? (pergunta Luca)
– Porque ele oferece um sacrifício, para que a sua casa se torne sólida.”
Visconti quis mostrar a personalidade de Rocco com este diálogo, quis mostrar o porque de Rocco ser tão bom e generoso, o porque das suas acções altruístas para com Simone. O sacrifício de que fala, ele fá-lo quando abdica de Nadia por causa de Simone, fá-lo quando se condena ao boxe (embora não gostasse do desporto) para pagar a divida do irmão. Nesta frase se define o pensamento de Rocco e o que o faz ter aquela conduta para com o irmão. Amor fraterno, sacrifício, esperança de que a razão ainda pudesse vencer a cabeça de Simone.
Assim era Rocco, conformista, generoso, altruísta, bondoso e ingénuo.
Visconti traz-nos com este “Rocco e i suoi Fratelli” uma obra-prima dum neo-realismo mais humano, menos sociopolítico e, digamos, mais preocupado com os problemas emocionais e pessoais dum indivíduo, libertando-se assim da estética antifascista que definia todo a corrente cinematográfica neo-realista e que está bem latente em “La Terra Trema” de 1950. Mas Visconti não foi o primeiro a mudar essa estética do neo-realismo, bem pelo contrário, Rossellini já tinha adoptado essa mudança de visão da corrente realista italiana com “Stromboli” e “Terra Di Dio” ambos de 1949, seguido de “La Strada” de Fellini do ano de 1954.
Imperdível, controverso, com interpretações fabulosas de Alain Delon, Renato Salvatori, Annie Girardot e Katina Paxinou no papel da mãe, assim é “Rocco e i Suoi Fratelli”. A realização, essa, é esplêndida como em qualquer obra de Visconti.
Fabulosa obra de um dos maiores génios que o cinema italiano e europeu alguma vez teve.



5 comentários:

Anónimo disse...

Grande filme, meu deus, que filme este. Reparei que tens um carinho especial por ele - o teu texto está bastante bom, bom trabalho, pá.
Lembro-me também eu perfeitamente da primeira vez que o vi: não tão novo, aliás vi-o algo tardiamente, no já mítico ciclo de Visconti no Rivoli, penso que no Porto2001. Eu, que já conhecia outros filmes de Visconti, fiquei durante esse ciclo com o Rocco literalmente atravessado... é normal, não é?
E já que falamos de epifanias viscontianas, deixo aqui a minha última: foi há uns 2 ou 3 anos, naquele incrível, indescritível, memorável ciclo na Gulbenkian, dos filmes da vida do Bénard da Costa, com o SENSO. Já o tinha visto, mas em vhs... na enorme tela daquele auditório Veneza explode nos teus olhos, e aquela sequência inicial na ópera é ainda mais arrebatadora...
Um abraço!

Argonauta disse...

eu lembro-me dessa rúbrica que dava na RTP2 foi lá que vi um dos filmes que mais me marcou, Le Roi Et l'oiseau

Álvaro Martins disse...

Gonçalo,

é normalíssimo ficar atravessado com Rocco, Visconti filma magistralmente um desenvolvimento abismal de um personagem que nos é apresentado no início do filme como o mais influente e mais responsável dos 4 que chegam a Milão com a mãe. Nesse início do filme quando chegam à estação, é Simone quem acalma a mãe pela ausência de Vincenzo, é ele também que tem a iniciativa de procurar o irmão. Ou seja, era o mais velho dos quatro e consequentemente aquele que devia tomar conta dos outros, mas Visconti desenvolve um Simone que se torna completamente o oposto e um Rocco que assume o papel do mais justo, bondoso e de um indivíduo que ama incondicionalmente a família. Aí está a ironia. Por isso(e por mais...) nos impressiona tanto esta obra-prima de Visconti.

Curiosamente, o Senso também foi o último filme do cineasta que eu vi. Infelizmente, não tive a mesma sorte que tu de o ver numa tela de cinema. Vi-o na televisão e já posteriormente em dvd. Mas tens toda a razão em relação à sequência inicial da ópera...fabulosa.

Abraços


Argonauta,

só tenho pena de que essa rúbrica tenha acabado. Essa e outra que dava na mesma altura no mesmo canal, "Cinco Noites Cinco Filmes",onde se dedicavam durante uma semana a um realizador ou a um actor/actriz. Lembras-te?!!
Davam muitos bons filmes nestas duas rúbricas, mas enfim...o que é bom não dura sempre!!!

Abraços

Argonauta disse...

sim também me lembro do 5 dias 5 noites em que passavam filmes por temática. grandes filmes vi nesse canal, a triologia das cores,where eagles dare tantos. actualmente já não vejo tanto a RTP2 o grande defeito deles é mesmoq ue passam coisas altamentes filmes séries mas sempre a más horas por exemplo no outro passaram o Gone With The Wind e eu não me importava de o ver outra vez mas começava à 00:30 para acbar ás 5??? não obrigado

Álvaro Martins disse...

Filipe,

vou com certeza participar.

Abraços

Argonauta,

já somos dois a ver pouca RTP2. Eu ainda faço pior, eu vejo muita pouca televisão e o pouco que vejo são alguns filmes(muito poucos) e futebol. Mas a RTP2 é claramente o melhor canal público e não só.

Abraços

PS - grande trilogia a das cores do Kieslowski.