20 de fevereiro de 2011

I Compagni (1963)
Mario Monicelli

Primeiro Monicelli cá da casa. Tudo e nada mais daquilo que me interessa em cinema, tudo mas mesmo tudo na voluptuosidade com que o procuro, tudo mas mesmo tudo no seu auge do neo-realismo italiano. I Compagni é filme de mestre, não sei se Monicelli o foi (volto a repetir, primeiro Monicelli que vejo) mas I Compagni traz consigo aquele fervor, a veemência, o ímpeto, sei lá… aquela intensidade dum De Sica ou dum Visconti. Brada a tragédia por todos os poros desde o seu princípio laboral até ao seu lirismo final, essa tragédia que é parte integrante daquela realidade, ou seja, uma não vive sem a outra.
Comecemos pelo quotidiano, pelos planos dos trajectos percorridos pelo proletariado em direcção à fábrica, pelos planos (e I Compagni é filme de planos, de enquadramentos, de espaços, de sombras) dos ritos arriscados do proletariado na fábrica, pelo vapor das máquinas, pelo nevoeiro que ludibria a visão dos homens. Comecemos pelo início, pelo despoletar da insurreição contra a desmesurada exploração da mão-de-obra, pela origem da concepção do grito de revolta naquele agregado de operários, pela audácia destes na conquista da coragem para assim enfrentar o poder patronal. Comecemos por isso pelo mais importante, pela maquinaria, pela mecanização do ser humano, pela labuta diária em que o trabalhador encara o perigo e a exaustão do excessivo horário laboral. É aí que Monicelli começa, no princípio da ideia de sublevação do proletariado. Tudo tão belo e tão fervorosamente abismal. A paixão (ou o amor ou o que quer que se lhe assemelhe) pelos ideais, pela justiça laboral e pelos direitos quer laborais quer humanos irrompe com a aparição de Mastroianni, o professor foragido que é o símbolo extremado da luta do proletariado pela justiça laboral. Daí à greve é um passo, uma decisão necessária para protestar contra a opressão e a exploração. A realidade, essa, passa pelos miúdos e graúdos a irem trabalhar na fábrica, passa por esses mesmos miúdos a sustentarem uma casa, a tomarem conta de irmãos mais novos como se de pais se tratassem, passa pela prostituta que acima de tudo não esqueceu donde veio, que possui a compaixão necessária para ajudar quem o precisa. A tomada de consciência na infância, a dureza e a crueldade dessa realidade social, a podridão de certas classes sociais e de certos seres humanos. Negro como as sombras da noite. Monicelli vai ao fundo dessa podridão, às acções mais desprezíveis das entidades patronais e o seu capitalismo, tudo tão inflamado e tão vivo na conspurcação do ser humano. E onde Monicelli desarma o ser humano capaz de tais actos desprezíveis oferece ao oprimido uma dignidade e uma humanidade só possível aos dessa estirpe. Visão negra e realista do ser humano acima de qualquer coisa.

3 comentários:

Sam disse...

Não deixes de procurar as suas «comédias à italiana»; são filmes tão bons como os da sua fase trágica, provando que Monicelli é um cineasta que merece mais reconhecimento e fama.

Álvaro Martins disse...

Não deixo não Sam, já tenho aqui uma dúzia de filmes dele eheh deste gostei muito ;)

Anónimo disse...

Recomendaria "Polícias e ladrões" de 1951,O pequeno burguês de 1977 e claro, os do Brancaleone.