Xavier Beauvois
O que é realmente importante em Des Hommes Et Des Dieux é que a história (verídica) em que o filme se baseia é quase superficial, irrelevante dentro da sua relevância, objecto de partida mas não de saída (e muito menos de desenvolvimento). Pouco interessa a tragédia (até porque nem a chegamos a ver), pouco interessa a causa daquilo tudo, basta-nos saber o que sabemos à partida. O resto é cinema, o resto é tudo mas tudo o que interessa no cinema, são planos e contra-planos a verter tudo e nada mais do que a incerteza do mundo transfigurada naqueles monges, são os travellings e a découpage a bradar não a tragédia que sabemos que virá mas sim a aceitação humana dessa tragédia, é a mise-en-scène da acção humana e do espaço físico (quer exterior quer interior) da devoção. O que interessa ali é a entrega daqueles monges ao sacrifício, são os silêncios e os olhares e os movimentos, a procura do espírito e da fé e do martírio e do caminho certo que os levará à redenção espiritual. A decisão. O que se quer perceber é a ambiguidade da situação, a escolha entre a dedicação ou lealdade àquele povo e à inerente “missão” ou a fuga do perigo e a preservação das suas vidas, a renúncia às discórdias religiosas (sim, também a óbvia condenação do terrorismo e do fanatismo islâmico) e à desigualdade racial e uma procura obstinada na fraternização dos homens. Nada dos convencionalismos hollywoodescos habituais nestas histórias verídicas, nada de sensibilizações baratas ou de lamúrias desnecessárias, nada de envolvências físicas acaloradas pelo cliché ou pelo temor da morte como vitimização humana. Tudo tão seco e tão frio na captação dos momentos, das decisões e das acções, tudo tão sereno e tão simples, tão fora de modernismos ou facilitismos narrativos e tão próximo dum Dumont sagrado. Dos melhores de 2010 que vi.
2 comentários:
Olá Álvaro.
Venho deixar-te o email da tertúlia:
tertuliacinematografica@gmail.com
Como não tens email disponível no perfil envia-me um para falarmos.
abraço
Acabei de assisti-lo. De acordo com tudo o que disseste e não o diria melhor.
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