Alfred Hitchcock
(…) Essa história dos filmes que não eram para a minha idade, durou até acharem que devia acabar. Julgo que até aos 15-16 anos. Lembro-me de alguns requintes. Levarem-me ao ginásio para ver um documentário sobre o Palácio Pitti e fazerem-me sair da cadeira vinte minutos depois do «filme grande» começar, porque iam também começar as coisas que não eram para a minha idade. O requinte não estava na visão do documentário (de museus sempre gostei tanto como de filmes) mas em me interromperem o prazer que estava a ter. E lembro-me de imensos filmes proibidos, com títulos portugueses mais do que sugestivos (Almas Perversas, Amar Foi a Minha Perdição, O Pecado de Cluny Brown) que eu imaginava – tanto quanto podiam chegar os meus conhecimentos – com imagens não muito diversas dos actuais Coxas Quentes, Orgias Escaldantes ou Bombeiros do Sexo. Desde essa altura, amei esses filmes tão antes de os conhecer, respectivamente, por Scarlet Street, Leave Her to Heaven e Cluny Brown e saber que eram de Fritz Lang, John M. Stahl e Ernst Lubitsch. Porque será que os pais nunca se enganam?
Talvez por isso, ir ao cinema – sobretudo quando ia sozinho, o que começou a acontecer cedo – teve sempre foros de coisa perigosa, ou até mesmo pecaminosa. Depois, tudo se fazia escuro e começava a magia. O spell do tal filme de Hitchcock, disparatadamente traduzido, mas certeiramente conduzido à «casa encantada». Que, no caso, era não só a casa do Dr. Edwards (clínica para doentes mentais e ninfomaníacas) mas o décor pintado por Dali para o primeiro sonho à Freud do cinema: era nesse sonho que se ficava a perceber – como muito, muito mais tarde percebi – que o doente mental não era o médico mau Leo G. Carrol, mas o médico bom Mikhail Chekhov (que, de resto, tinha a quem sair, pois era sobrinho de Tchekov), e a ninfomaníaca não era a rapariga má Rhonda Fleming, mas a rapariga boa Ingrid Bergman. Sem ofensa para ninguém, antes pelo contrário, pois doentes desses foram sempre os que me curaram melhor.
E deve ser essa a razão – uma das razões – para, logo que me falam em filmes da minha vida, me lembrar de Spellbound. E a música de Miklos Rozsa para esse filme ainda hoje é a que mais me diz a zonas sombrias. Por isso, comecei estas crónicas sob o signo desse Selznick-Hitchcock Film e deixei-me ir. (…)
Talvez por isso, ir ao cinema – sobretudo quando ia sozinho, o que começou a acontecer cedo – teve sempre foros de coisa perigosa, ou até mesmo pecaminosa. Depois, tudo se fazia escuro e começava a magia. O spell do tal filme de Hitchcock, disparatadamente traduzido, mas certeiramente conduzido à «casa encantada». Que, no caso, era não só a casa do Dr. Edwards (clínica para doentes mentais e ninfomaníacas) mas o décor pintado por Dali para o primeiro sonho à Freud do cinema: era nesse sonho que se ficava a perceber – como muito, muito mais tarde percebi – que o doente mental não era o médico mau Leo G. Carrol, mas o médico bom Mikhail Chekhov (que, de resto, tinha a quem sair, pois era sobrinho de Tchekov), e a ninfomaníaca não era a rapariga má Rhonda Fleming, mas a rapariga boa Ingrid Bergman. Sem ofensa para ninguém, antes pelo contrário, pois doentes desses foram sempre os que me curaram melhor.
E deve ser essa a razão – uma das razões – para, logo que me falam em filmes da minha vida, me lembrar de Spellbound. E a música de Miklos Rozsa para esse filme ainda hoje é a que mais me diz a zonas sombrias. Por isso, comecei estas crónicas sob o signo desse Selznick-Hitchcock Film e deixei-me ir. (…)
João Bénard da Costa
1 comentário:
Hitchcock é para todas as idades!
Abs.
Rodrigo
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