14 de agosto de 2011

The Docks of New York (1928)
Josef von Sternberg

The Docks of New York é filme de mestre, conto milagroso ou coisa de utopias que emerge das sombras, da névoa e do pecado para alcançar não só a redenção como a plenitude. Aquele matrimónio vem trazer toda a luz àquelas duas almas errantes que num impulso súbito se atrevem a desafiar o destino, a escorraçar a amargura que momentos antes originou o quase suicídio. Sim, bela muito bela história de amor de Sternberg, coisa angelical bem no coração da libertinagem, o encantamento a trazer a candura, a renovada esperança e a luz à alma, mesmo que se hesite, mesmo que tudo a principio não passe de uma noite de diversão, mesmo que tudo seja inicialmente ilusão, conto de fadas por uma noite, mesmo que na manhã seguinte ele volte atrás, mesmo que aquele renascer só venha lá perto do final. Na verdade é o outro primeiro impulso, o de salvar a donzela das águas das docas, que marca a mudança, é esse passo dado que vem trazer o recomeço, a mudança, a redenção, mesmo não passando da inicial tentativa de engatar uma mulher para aquela noite. A resistência de Bill à mudança quebra naquele momento dela lhe coser o bolso da camisa… quando ela pega na linha e na agulha para coser o bolso e com as lágrimas nos olhos é incapaz de enfiar a linha na agulha, é aí que algo nele muda, é aí que o carinho e a mútua necessidade de se terem um ao outro começa, mesmo que essa mudança só se consuma depois frente ao calor abrasador das caldeiras do navio. É a singeleza e o lirismo de Sternberg a emergir na redenção de dois seres dissolutos, a luz do amor e da felicidade a irromper na névoa e na negrura do mundo.

5 comentários:

Luís Mendonça disse...

Fixe! Tenho aqui o filme, na caixa da Criterion, para ver - e este post aguçou-me ainda mais o apetite. Dizem que o Sternberg mudo é melhor que o sonoro, o que para mim, que ainda não fiquei muito convencido com o cineasta austríaco, é óptimo sinal.

Álvaro Martins disse...

Também ainda conheço pouco de Sternberg, o único sonoro que vi, o Crime and Punishment, não o achei mau filme, embora me pareça inferior a este e ao The Last Command que vi ontem.

Luís Mendonça disse...

É muito bom o "Crime and Punishment", mas não me convence a barroquíce para-Eisensteiniana de, por exemplo, a "Imperatriz Vermelha" - ou mesmo o "clássico" "Anjo Azul" me parece muito sobrevalorizado.

Álvaro Martins disse...

Sim, também acho o Crime and Punishment muito bom, não só a realização de Sternberg (a negrura e a forma como consegue transpor toda aquela índole subversiva e demencial da obra) como a interpretação do Peter Lorre é fantástica. Os dois de que falas ainda não vi, mas o famosíssimo Anjo Azul será o próximo a ver.

Luís Mendonça disse...

Sim, eu atribuo muito do sucesso da adaptação ao Lorre, apesar de, como dizes, o Sternberg conseguir encaixar em hora e meia de filme as ambiências e temas essenciais da complexa obra-prima de Dostoiévski.