19 de agosto de 2011

Cronaca Familiare (1962)
Valerio Zurlini

Se há coisa que Cronaca Familiare tem, e digo-o com toda a certeza, é a “veia” Viscontiana que carrega consigo, os planos e enquadramentos majestosos e imponentes quer dos símbolos da velha aristocracia quer do espaço rural e urbano da época, a família como coisa sagrada (ainda que amputada desde a tragédia inicial), a secura e a palidez da imagem, a música...

Em Cronaca Familiare existe uma total e contida submersão de mágoa e de nostalgia dilacerante que nasce da tragédia (ou das tragédias) para alcançar a sua plenitude na intensidade dramática que se torna erosiva na implacabilidade e na intensidade dessa dramaturgia. Se é verdade que Cronaca Familiare é um filme trágico que nasce e morre na tragédia, ainda mais verdade é que, acima de todo esse tragicismo épico, Zurlini faz um filme de reencontros e de lutas interiores com a solidão e os laços fraternais. Da ausência surge esse vazio familiar interior que teima em se dissipar mesmo no reencontro e após dele. É a tragédia ou a aproximação dela que vem colmatar esse vazio e fortalecer o amor fraternal que tanto tempo esteve adormecido. Aí tudo é libertador da mágoa contida por anos, tudo é implacável e brutal na aceitação da força do mesmo sangue que corre nas veias e une aqueles dois irmãos. O amor, adormecido pelo tempo e pela ausência, emerge lentamente para explodir sob a ameaça da tragédia.

É por isso, e sobretudo em Enrico (um assombroso Mastroianni), um caminho tortuoso e negro (alegoricamente pois o filme é repleto de luz no seu radioso technicolor) de dúvidas e de ambiguidades quer existencialistas quer espirituais na procura da redenção e do amor fraternal. Ainda que Cronaca Familiare transporte consigo todo o realismo (ou o neo-realismo) italiano do pós-guerra é o lirismo dessa visão da vida (e dos destinos daquelas duas vidas) que mais nos atrai, é a brutalidade do tempo que tudo fez para os castigar pela ausência. É aí que Cronaca Familiare irrompe toda a sua implacabilidade, todo o sentimento e todo o dramatismo que irá verter todas as lágrimas da tragédia, é aí que as trevas da mágoa, da solidão e do conflito interior irrompem para libertar o homem. Implacável, brutal, grandioso, Zurlini.

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