9 de julho de 2011

東京物語 Tôkyô Monogatari (1953)
小津 安二郎 Yasujiro Ozu

Ozu, o mestre japonês, o puro dos puros, o cineasta que sabia que a vida é a mais pura e a mais bela estória melodramática, o cineasta dos planos fixos, da beleza do mundo e do dia-a-dia, o cineasta do saqué e dos balcões de bares, dos comboios e dos edifícios, dos pais e dos filhos, dos laços e das suas roturas, o cineasta do mundano. Tôkyô Monogatari é filme negro, dum negro pacificador e melancólico, dum negro que arrasta consigo toda a resignação do mundo, toda a solidão do ser humano, todo o egoísmo do Homem, é das coisas mais belas jamais feita no cinema. Não há no mundo cinema capaz de alcançar tamanha plenitude, tamanha beleza, tamanho lirismo de forma tão simples e tão pura. Tudo tão implacável quanto a vida, o mundo, o tempo que tudo leva e tudo esquece, a morte que chega sorrateira sem avisar e a quem ninguém escapa, o vazio que ela deixa. O cinema de Ozu é a vida, a amargura da vida, do tempo, do rumo das pessoas. É o quebrar dos laços, não que o seja totalmente mas um esbater afectivo entre pais e filhos, a distância (de todas as formas possíveis) que existe, que se cria, coisa inevitável, coisa do ser humano, do curso natural da vida (e Tornatore iría buscar tudo mas tudo aqui para filmar o seu Stanno Tutti Bene). Ozu levou-os para Tóquio mas nem precisava, o afastamento é inevitável, a temática do confronto entre velho e novo, tradição e modernismo, o pós-guerra ainda debilitado tão presente em tantos outros filmes de Ozu está também aqui em Tôkyô Monogatari, está lá isso tudo, o arcaísmo supremo está naquele casal que sente o peso da idade, a aproximação da morte e decide fazer aquela viagem, visitar os filhos, conhecer o mundo deles. Por isso aquela morte (e nunca a morte esteve tão presente nos filmes de Ozu) atinja mais uns que outros, por isso aqueles filhos (excepto a mais nova que vive lá) não se demoram muito no retorno a casa. Não que não sintam a dor de perder a mãe (Shige, a mais velha, diz depois do funeral que preferia que tivesse sido o pai), mas como diz Noriko, a nora do filho morto na guerra, os filhos crescem e criam a sua própria família, afastam-se dos pais porque têm os seus próprios filhos com que se preocupar. A mais nova ainda não tem a sua família, por isso aquela revolta perto do final, a sensibilidade com que sente aquela frieza dos irmãos, por isso é ela que quase tanto sofre como o pai, que mais sentirá a falta dela. A ele, a solidão chegou, augura-se o fim, os dias serão mais longos e ainda mais melancólicos, a espera do fim acentuar-se-á. Mas Ozu não filma a morte, até porque não há como filmar a morte. Ozu filma o que fica da morte, filma os que ficam e a serenidade que alcança uns e escapa a outros, filma a vida ou como Kiarostami chamaria a um filme seu, "a vida continua". Obra-prima absoluta.

1 comentário:

Manuela disse...

Ozu será uma das minhas próximas descobertas. Já estive aqui à procura da tua opinião. Vou ver o que consigo arranjar e saber por onde começar.

Bjs