Estranho poder que Sokurov quer explorar em Solntse (como já o fizera em Molokh). Mas aqui tudo é diferente, excepto talvez a intenção em filmar a relação do imperador com o mundo e a realidade com que se vê confrontado à semelhança do que fizera com o ditador alemão em Molokh. E, se em Molokh Sokurov procurava analisar uma relação entre o ditador e o mundo/realidade, como que fazendo uma introspecção individual do ditador no reconhecimento deste na sua posição mundial (digamos no seu poder) explorando a loucura e a morbidez do ditador, em Solntse o cineasta russo tenta “mexer” com a reacção e postura do imperador japonês face à realidade confrontada (a iminente derrota militar/rendição imediata aos americanos). Em Solntse o russo filma (actualmente há poucos (ou nenhuns) a fazer esteticamente o que ele faz) aquilo que parece ser um tipo de candura inerte relativa à realidade em questão. Sokurov faz de Hirohito uma figura culta e, sobretudo, interessada na ciência e poesia. De certa forma, Sokurov transmite um lado muito humano ao imperador japonês, nunca descurando os seus privilégios e comodidades afectas a alguém da sua natureza. Mas sobretudo a rejeição de qualquer moralidade ou culpabilidade pelas atrocidades da guerra. Sokurov abstrai-se de qualquer pretensão dessa natureza (cita, inclusivamente, durante uma das conversas entre Hirohito e o general-chefe americano, a rejeição de ambos na participação (leia-se inclusive autoria) dos casos de Pearl Harbour e Hiroshima). Na verdade, o russo cria no imperador um certo desconforto na sua relação com as pessoas inerente à sua condição social e mítica. A diferença que Sokurov conclui entre Hirohito e Hitler (e são muitas), além de toda a natureza do poder em questão (que é o grande objecto de estudo aqui), é sobretudo a definição intelectual e humana das duas figuras históricas. Ou melhor, a relação “homem/poder” que ambos partilham mas que cada um a sustenta à sua maneira. Ou seja, resumindo, Sokurov faz de Hirohito alguém capaz de abdicar desse poder (em parte) em prol do povo, da paz e da prosperidade do seu país enquanto faz de Hitler o inverso. Humaniza um e desumaniza outro.
Sokurov é, actualmente, único na composição plástica e formal do seu cinema. A forma como usa as cores e as sombras é, não só ímpar como espantosa. A descendência do cinema de Tarkovsky assim o permite (e aqui temos tanto de Tarkovsky, do seu naturalismo e da sua contemplação). Mas a influência na mise-en-scène de Tarr e de Fassbinder também salta à vista, os seus movimentos de câmara, os morosos planos-sequência e seus rodopios sobre o personagem.
Solntse é, acima de tudo, um regalo para os sentidos, um grande filme.
3 comentários:
O melhor dos 3 é o Taurus.
Ainda não vi esse. Já agora (e agradecia que te identificasses) não sabes onde se arranjam legendas em português p'ra isso?
Ou quem souber eheh
Enviar um comentário