Sanxia Haoren é poderosíssimo. Território de mestres (Tarkovsky, Tarr, Fassbinder, Angelopoulos, Ford…) revisitado. Falo da arte de filmar que Zhang Ke Jia revela, da mise-en-scène que me surpreendeu e conquistou completamente. Sanxia Haoren é inaudito nesse aspecto, repleto de planos-sequência absolutamente fenomenais (o do início é formidável) e com uma contemplação que evoca os quatro mestres referidos acima (Ford excluído nesse aspecto). Minimalista como Bresson o seria. Visualmente e sonoramente arrebatador. Lento e atento a cada detalhe com uma profundidade de campo à Ford. E lembrei-me de Ceylan.
Além dessa arte de filmar tão evidenciada, há que salientar (como diria aqui o João) o sentimento de perda que o filme extravasa. O espaço, a relação espácio-temporal que se assume aqui é comum a uma China em desenvolvimento. O progresso. Isso está bem vincado durante o filme todo. Aquela gente, aqueles prédios em desconstrução continua, aquele mundo a simbolizar o fim do comunismo e o início do capitalismo e consumismo. Sim (voltando ao João), aquelas imagens trazem uma certa nostalgia, aquele mundo decrépito que aos poucos se vai abatendo e sendo substituído pela “nova China”. Esses prédios são as memórias e as suas demolições trazem o esquecimento. A melancolia dessa nova China. E que bela China que Zhang Ke Jia filma.
O mais importante em Sanxia Haoren é a passagem do passado para o presente, o que era e o que é, o que foi e o que será. O que o cineasta quer é reflectir no fim e início de algo. Uma nova vida, uma nova China. Por isso as duas histórias do filme tão similares a toda a temática fundamental da obra. A evolução. Porque esta evolução dá-se não só nesta China que Zhang Ke Jia quer mostrar como também naquele casamento já sem sentido ao qual aquela mulher põe termo. E o mesmo para aquele homem que busca incessantemente pela mulher e a filha que já não vê há mais de dez anos. E no meio destas duas histórias está um olhar sobre as consequências do progresso, está a reflexão de como essa evolução afectou a vida das pessoas. E daí essa estranha nostalgia que Still Life emana, o tal sentimento de perda comum às personagens e à realidade dessa China renovada.
Zhang Ke Jia filma uma China melancólica e nostálgica. Mas acima de tudo, filma de forma bela e poética. E por mais que o cineasta consiga criar duas histórias que se complementam perfeitamente, por mais que se faça usar dum simbolismo permanente nesse olhar melancólico sobre a sua China, o mais importante em Sanxia Haoren é a sua mise-en-scène e toda a contemplação e naturalismo inerente. Poderosíssimo é mesmo a palavra certa. Grande filme.
3 comentários:
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filme belíssimo. obra prima mesmo, cada movimento languido da câmera, a narrativa que flui natural, e a fotografia magnifica.poema em cada quadro. gosto bastante.
Já tenho o The World, o Platform e o 24 city mas só tenho legendas em pt para o The World. Esse não demoro muito a vê-lo ;)
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