27 de fevereiro de 2010

Fish Tank (2009)

























Antes de mais, não estava à espera de algo tão bom. Sinceramente, foi uma grande surpresa este Fish Tank. E a Katie Jarvis só falta mesmo saber dançar para ter uma interpretação assombrosa. Porque é somente aí que falha Fish Tank, na incapacidade evidente de Katie em dançar como (talvez) Andrea Arnold pretenderia (ou como seria mais realista), como alguém que tem realmente talento para tal coisa. Mas isso é irrelevante para o valor que esta obra alcança. Porque Fish Tank é um filme seco, frio, cru. É o retracto social duma Inglaterra actual. É o espelho da irreverência da adolescência.
Fish Tank é um filme cheio de cor, vivo, mas ao mesmo tempo negro, num ambiente de enclausuramento. A dança (cerne do filme), está presente do início ao fim, vive aqui como o pouco pelo qual Mia tem de lutar, talvez a única coisa que ela realmente gosta, o seu único escape para a realidade que enfrenta. Fish Tank é cru, duma crueza psicológica, moral. Uma crueza volátil (tal como Mia e a mãe), uma crueza que atravessa toda a reflexão social do filme, uma crueza que enfrenta amor e sonhos. Porque o que Arnold quer é contar a história de uma adolescente, de uma rapariga inadaptada ao seu mundo, à sua família disfuncional. Fish Tank é acima de tudo isso, a história de Mia, a história da sua adolescência e das suas descobertas, da sua concepção do mundo. E nesse aspecto Fish Tank é brilhante. É um filme que não se deixa levar por sensacionalismos, por clichés habituais do género (não está isento deles, mas são poucos).
A descoberta do sexo, a paixão por Connor que vai crescendo, a desilusão pelo mundo adulto. Fish Tank é isso e muito mais. É a revolta da adolescência perante os adultos, é a ilusão/sonho na mente de uma adolescente, é a alimentação desse e outros sonhos pela televisão (metáfora do consumismo, da alienação do individuo – já estou a caminhar por trilhos a que Fish Tank é estranho), é a descoberta de que afinal não é a única adolescente inconformada com a realidade. É a denúncia do que, muitas vezes, é a causa para a delinquência infantil, é o apontar do dedo aos pais que, muitas vezes não têm condições quer financeiras quer morais (por vezes até afectuosas) para educar uma criança.
E Fish Tank ainda surpreende mais. Não só essa crueza, essa frieza (chega mesmo a uma hostilidade/agressividade verbal) nas relações familiares, esse pessimismo da cineasta, como nas metáforas que a britânica cria, na relação quarto/mundo que traz esse aprisionamento, esse círculo que se vai fechando à sua volta (inclusivamente a ameaça da ida para um reformatório). E a dança é aquilo que a faz sentir livre, que a faz extravasar os seus sentimentos. O sonho de dançar é o que a liberta desse mundo/realidade a que se vê enclausurada.
E tem planos arrojados, tem Mia constantemente à frente da câmara. Tem um sentido de frieza incontrolável, de revolta, de tristeza pela sociedade, pela pobreza. Tem momentos de um ambiente negro, um ambiente de desolação, de desilusão. O primeiro amor, um renascer para a vida, a entrada no mundo adulto. E no fim a ida, a aventura, a despedida daquela realidade. A questão é que outra realidade a espera?
É um filme surpreendente.

14 comentários:

Argonauta disse...

Arranjei esse filem para ver há uns tempos, acho que depois da tua critica saltou uns lugares na lista.

Pedro disse...

Não conhecia de lado nenhum.

Mas ao ver a tua crítica pesquisei um pouco sobre ele, e parece valer a pena. A ver.

Álvaro Martins disse...

Vale a pena sim senhor. Recomendo vivamente aos dois ;)

Unknown disse...

Tenho há uns dias. Pronto para ver, ams ainda não tive tempo. A tua crítica aguçou-me ainda mais.
Tanto quanto sei não teve estreia em sala... ou teve e passou despercebido?

Álvaro Martins disse...

Não faço ideia.

Diogo disse...

Bem, já que conheço o background desta realizadora, vou primeiro dizer que este é o seu segundo filme longa-metragem, é exibido no Fantasporto e será estreado em Portugal, como previsto, no início de Maio.

A Arnold foi a primeira realizadora a criar o primeiro dos 3 filmes que pertencem ao projecto Advance Party. O Advance é uma co-produção da Sigma Films e da Zentropa, do Lars Von Trier (quem mais poderia ser...). A ideia é pegar num mesmo grupo de personagens, entregar a um realizador estreante e a partir disso desenvolver um filme único com essas mesmas personagens e filmados, todos os três filmes, em Glasgow (Sigma Films). http://en.wikipedia.org/wiki/Advance_Party_(film_series)

Eu tenho o DVD do Red Road e gostei de o ver há uns tempos - a Andrea Arnold não é nada de memorável mas é minimamente interessante para que se lhe dê crédito. Este ainda não vi, provavelmente vejo-o em Maio, mas não espero grande coisa. O regular deste cinema pessimista e neo-realista que permeia grande parte da produção independente europeia (romena e do norte da europa, sobretudo, onde há frio...)

:)

Sou o «antigo» LN.

Álvaro Martins disse...

Pois, eu não conhecia nem a cineasta nem o filme. Mas gostei deste. Já ando há procura do Red Road para ver se também me agrada :) Quanto ao cinema pessimista e neo-realista são gostos, eu gosto, sempre gostei ;)

Diogo disse...

Conheces Bruno Dumont?

Eu também gosto do elogio ao negro, aliás, é o que mais gosto, sendo mais ou menos vanguardista, são as minhas imagens favoritas, as de valor negro e meta-saturado... mas, a avaliar pelo Red Road, é mais uma cineasta para o saco «contemporâneo», da realidade fatalista social, do ram-ram dos pretensiosamente humildes que lá pelo meio se entregam a cenas de tensão telenovelística e umas cenas de sexo semi-gratuito entre pessoas em «crise». É redundante, quer ser mas não é filosófico, nada de mais...

Mas se gostas, um filme que acredito que apreciarás é o Lille Soldat. Um dos melhores que vi nos últimos tempos dentro do género, desta visualidade, etc.

Álvaro Martins disse...

Não acredito que queira ser tão filosófico. Eu vejo mais como cinema realista, retractos da sociedade. Claro que acarretam a sua filosofia, filosofia inerente ao tema, à sua natureza. Mas não é pretensioso, não é artificial. Percebes? Não é um filme brilhante, mas é bom.
Conheço Bruno Dumont, o nome como referência, mas ainda não vi nada. Por acaso é um cineasta que quero descobrir.
Quanto ao filme, Lille Soldat, vou procurar ;)

Diogo disse...

Há de tudo... há cinema neo-realista «contemporâneo» bom e há redundante. Para mim está cada vez mais esgotado... e já agora, nunca te vi referenciar os irmãos Dardenne, esses sim, boa louça «neo-realista contemporânea». Adoro todos os filmes deles, estilo, tudo.

Bruno Dumont é muito bom - o Van Sant havia de aprender a filmar o nada com o Twentynine Palms em vez de fazer aquela bodega chamada Gerry, o L'Humanite, vencedor de 3 prémios em Cannes, ensina qualquer realizador a filmar o que não está lá... é de uma alcance simplesmente extraordinário, recomendo-te vivamente esses dois e sei que vais adorar, é certinho. ;)

Álvaro Martins disse...

Sim, claro que há de tudo. Sempre houve e sempre haverá. Mas não concordo quando dizes que o cinema neo-realista está esgotado (até porque este assenta numa realidade actual, numa realidade em constante movimento, mudança, embora a problemática social se resuma geralmente a um mesmo tema, mas varia). Quanto aos Dardenne, só conheço o último - Le Silence de Lorna - e ainda nem o vi. É mais uma falha minha eu sei :)

Relativamente ao Bruno Dumont, já tenho aqui 3 filmes dele (L'Humanité, Flandres e La vie de Jesus). É só uma questão de tempo para os ver.

Quanto a Gus Van Sant e o seu Gerry, já sabes a minha opinião, só o considero um dos melhores filmes de 2000 para cá.

Diogo disse...

Que falha gravíssima, sinceramente :)
Dardenne é OBRIGATÓRIO. Sabes aqueles títulos feitos, do género «Mestre do...», como assim: Hitchcock «Mestre do Suspense», Argento «Mestre do Horror»,... os Dardenne são mestres do neo-realismo. Por acaso o Lorna é o mais fraco da filmografia deles, diz-te quem é fã incondicional e conhece-os muito bem. Para mim, o topo é o L'Enfant (é o último filme da série II do Ipsilon, que deves estar a comprar). Obra de génio. Depois gosto muito muito do Rosetta e do Le Fils. Atingem a excelência. Os outros estão no «muito bom», só, sem ser tendencioso. :)

Vê Bruno Dumont e arranja o Twentynine Palms, vais adorar, talvez até o que gostarás mais.

Eu pelo contrário acho-o a maior porra da década. Pretensioso até partir, não tem associações emotivas ou semânticas absolutamente nenhumas, é fácil, corrompível... parecem dois marmanjos que se perderam a caminho de uma festa entre uns tiques visuais avant-garde, na verdade, o Gerry mais parece um desfile de paisagens do que um «filme».

Álvaro Martins disse...

Diogo, posso te dizer que vi hoje o L'Humanité e gostei muito. Já tenho mais dois dele e dois dos Dardenne, esse que falaste o Le Fils e outro :)

Quanto ao Gerry, não me convences ;) eu acho-o muito bom mesmo. É contemplativo, sereno, filmado lindamente (percebo porque lhe chamas um desfile de paisagens), mas é extremamente bem filmado, à Tarr. E só isso basta, não precisa de grandes diálogos e de enredos para ser bom. Simples, história simples, mas bem filmada.

Unknown disse...

nao consigui assistir esse filme em site nem um, por favor se alguem souber um link deixe aki, obrigada.