"O dinheiro faz as pessoas ficar bem dispostas. É comum dizer-se que a mais importante das coisas é o amor. Os pobres sabem perfeitamente que é o dinheiro. Os sons do campo podem invadir a cidade e um personagem secundário pode tornar-se principal desde que a luz incida nele.
Filmar ideias com a noção exacta de que há um reino que o cinema nunca chega a conquistar - o da abstracção pura.
Impuro e complicado, promíscuo com os outros modos artísticos, "arte" e comércio, ou melhor, nem arte nem vida (qualquer coisa entre), o cinema que eu amo, velho de cem anos, tenta resistir às ameaças de morte que o cercam. E se é para morrer, porque não morrer a rir?
Quando me sentei para escrever este projecto de filme, comecei a organizar uma comédia frívola e extravagante, adequada a este final de século: uma serpente calculada, com a cauda enfiada na boca. A associação rápida e explosiva de coisas que se encontram na viagem da construção das ideias, matou-me o calculismo. Os fios esvoaçaram agitados e a teia estremeceu. O que me confirmou que qualquer lei vinda do exterior significa prisão e morte. E em vez da serpente de escamas coloridas encontrei-me com uma cebola sem centro, cuja primeira camada esconde a segunda, a segunda esconde a terceira e assim sucessivamente. Menos e mais do que uma comédia, uma farsa.
O que tenho entre mãos? Um filme de aventuras que atravessa o meu país, desde uma praia fora de estação a Sul até um aterro de lixo a Norte, com Lisboa como centro? Um filme negro em volta dos mais variados tráficos, sinais e fonte principal de riqueza nos anos que correm? Um drama político sobre os esquivos tempos que atravessamos, em que nada é seguro?
Exercícios cinematográficos sobre ideias distintas de "raccord"? Ou, outra vez, uma comédia cor-de-rosa sobre todos os tráficos à face da Terra? O cinema são muitas coisas. Que viva o cinema! Tudo já foi dito, mas como ninguém ouviu temos de estar sempre a voltar ao princípio."
João Botelho
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