17 de março de 2009

Once Upon A Time In America (1984)



Obra-prima de Sergio Leone, curiosamente fora do estilo que o imortalizou como um dos grandes génios do cinema, o western spaghetti. Aquando da sua estreia, o filme foi “mutilado” (palavras de Sergio Leone), tendo sido exibido numa versão de 139 minutos, cerca de hora e meia a menos do que a versão completa e que foi lançada em vídeo.
Mais do que um filme, “Once Upon A Time In America” é uma ode à amizade, um hino ao amor, um olhar penetrante à traição e à inveja, uma reflexão sobre confiança e ambição e um retracto da ascensão e a queda do mundo da máfia judaica. Já muito se disse sobre este filme, mas nunca é demais contemplar esta obra-prima de Leone. Posso ser muito criticado pelo que se segue, mas a verdade é que para mim esta relíquia do cinema americano é superior a “The Godfather” (O Padrinho) de Francis Ford Coppola. Talvez devido à altura em que o vi pela primeira vez e por me ter marcado muito, mas também porque é um filme mais sublime, mais melancólico, mais completo e nostálgico. Enquanto o filme de Coppola na sua grandiosidade e plenitude se cinge à família, este não. “Once Upon A Time In America” apresenta-nos valores morais, amizade, amor, crime, traição, confiança e a infância. É daquelas obras cinematográficas que se vê e revê vezes sem conta sem desiludir ou maçar. Sergio Leone era um mestre com a câmara nas mãos e o filme está repleto de planos longos espantosos, sem falar nos close ups fenomenais a que Leone nos habituou. Ennio Morricone em sintonia absoluta com Sergio Leone mais uma vez. A fantástica banda sonora de Morricone faz as lágrimas virem aos olhos nas mais variadas cenas do filme e, a meu ver, consegue aqui uma das suas melhores composições a par da de “Cinema Paradiso” de Giuseppe Tornatore.
O filme traz-nos a história de dois amigos desde o virar do século XIX para o século XX, passando pelos anos 30 durante a famosa Lei Seca até os anos 50. É a história de Noodles (Robert de Niro) e Max (James Woods) que Leone nos traz com este “Once Upon A Time In America”. É uma história de amizade, da perda desta, de traição, ambição e amor. A violência que o filme acarreta é lhe imposta devido às épocas em que a história se insere e claro, a um dos temas do filme, a máfia judaica, aquela que antecedeu a famosa máfia italiana. O que Leone nos mostra é que na viragem do século e durante a Lei Seca, os mafiosos eram pequenos gangs organizados que actuavam sozinhos, aqui no filme são apenas quatro amigos, e quando o mundo da máfia começa a mudar (depois do aparecimento da máfia italiana e irlandesa), Noodles permanece fiel ao seu estilo, facto que vai contra a ambição de Max, que quer mais poder e mais dinheiro. É aqui que realmente a traição começa. É aqui que Leone nos mostra a ambição de Max, que faz com que traia os amigos. Quando recebem uma proposta para abrirem um negócio apoiados pelo sindicalista Jimmy “Mãos-Limpas”, Noodles rejeita logo à partida enquanto Max fica tentado pela ideia e com vontade de entrar no negócio. Na discussão, Max diz a Noodles que ele há-de cheirar a rua o resto das vidas, ou seja que não há-de passar de um pequeno criminoso. A resposta de Noodles é bem elucidativa da diferença de ambição entre os dois, dizendo-lhe “ Eu gosto do cheiro das ruas. Faz-me sentir bem. Gosto do cheiro. Abre-me os pulmões. E dá-me tesão.” É aqui, embora Max vá atrás dele e decida ir com ele passar férias na praia, que o pensamento de Max começa a direccionar-se para a sua única saída com vista a tornar-se um homem poderoso. A partir deste momento, Max toma consciência que continuando com Noodles e os outros dois, nunca virá a ter o poder que sempre desejou. Por isso, concorda com Noodles e acompanha-o justamente para pensar numa maneira de os largar. Em relação ao outro tema do filme, o amor, descobrimos no fim do filme que Max é apaixonado por Deborah desde criança, o grande amor de Noodles. Embora Deborah fosse também ela apaixonada por Noodles, este amor nunca poderia dar certo devido à ambição de Deborah em ser uma grande actriz. De facto, Max e Deborah eram muito parecidos, talvez por isso acabem juntos. No fim do filme percebemos que Noodles tinha apenas uma ambição, o amor por Deborah. Foi esse amor que o ajudou a superar os anos na prisão, é esse amor e o desespero de o perder sem nunca o ter tido realmente que leva Noodles a violar Deborah depois de ela lhe dizer que ia para Hollywood. Mas é no início do filme, ou melhor, na primeira das três épocas do filme, a infância, que Sergio Leone nos oferece as melhores cenas sobre o amor de Noodles por Deborah. É durante as cenas em que Noodles observa a sua amada dançando ballet que a beleza do filme está mais latente. Mais mágico, mais belo ainda é ver que Deborah sabia que Noodles a observava. É das cenas mais lindas que já vi no cinema, o amor entre duas crianças, o jogo de sedução entre elas, que com a timidez que lhe é própria da idade se vai desenvolvendo até à cena em que Deborah lhe lê o seu diário onde fala do seu amado e dão o primeiro beijo. Mas já aqui, ainda crianças, Deborah tem o sonho de chegar ao “topo”, como ela diz. Já nesta idade, Deborah tem consciência que terá que optar entre o amor e a carreira.


O fim do filme traz-nos duas incógnitas (embora a mim me traga só uma). Depois da conversa entre Noodles e Max (já como Senador Bailey), onde este lhe pede que o mate e faça justiça à traição por ele cometida, Noodles recusa fazê-lo. Trata-o sempre por Senador Bailey e ignora a questão de traição argumentando a veracidade da morte de Max, querendo demonstrar-lhe que já estava morto para ele há muito tempo, não tendo assim necessidade em matá-lo outra vez. Noodles vai-se embora e na rua olha para trás e vê Max indo em direcção a um triturador de lixo. Quando este camião passa completamente por Max, este já lá não está. Há quem considere que Max pode ter encenado a sua morte outra vez, mas fica a incerteza se ele não se teria matado realmente. A meu ver, Sergio Leone quis mostrar isso mesmo, deixar essa dúvida, pois Noodles estava a ver e quis mostrar que também ele ficou com a incerteza da morte de Max, mais uma vez. O filme acaba com Noodles deitado no teatro chinês (supostamente nos anos trinta) a fumar ópio e olhando para cima (para a câmara) sorrindo. Este sorriso final de Noodles deixa-me a mim mais duvidoso do que a questão da morte de Max. O que é que Leone nos quis dizer com este sorriso final? Tenho várias teorias plausíveis, mas nenhuma delas é certa, por isso, fica a dúvida, fica o mistério, mas não é isso que faz de “Once Upon A Time In America” um filme menor, pelo contrário, a dúvida que fica faz-nos pensar no filme e tentar compreender a visão de Sergio Leone, mesmo depois de o visionarmos várias vezes, pois a vida também é cheia de incertezas e nem por isso deixa de ser bela.
“Once Upon A Time In America “ é um grandioso clássico do cinema americano, uma linda história de um amor interrompido. Simplesmente magistral.








6 comentários:

Argonauta disse...

como eu amo este filme na minha lista dos meus filmes de sempre, o inicio cativa-nos logo com a fuga de "noodles" e o seu regresso anos depois, as minhas cenas favoritas do filme é o reecontro de "noodles" com a deborah ao fim de tantos anos e depois o reccontro com o james wood que faz também uma sátira enorma à sociedade americana pois ele tornou-se senador. a OST é simplesmente brutal com cenas épicas prestações over the top já não se faz filmes como esse aí, o melhor filme de gangsterd alguma vez feito para mim supera o the godfather.

Álvaro Martins disse...

Não podiamos estar mais de acordo. É simplesmente brilhante e se leste o texto já sabes que também sou da opinião de que é melhor que o Godfather do Coppola.

Abraços

Argonauta disse...

confesso que não tinha lido o texto mas agora que já li, vou dizer os meus pontos de vista, para mim é óbvio e para ti também penso eu que a cena do camião do lixo era para matar o noodles caso o max não desse noticias que estava bem, penso que nada mais há de mistério aí. Quanto à cena final do noodles sorrir enquanto depois passam os créditos finais, sempre vi como uma celebração dos tempos felizes que os 4 tinham passado durante a lei seca

Álvaro Martins disse...

Na cena final do sorriso, não sei se reparas-te mas o Noodles está novo, jovem, na altura da lei seca. Quem sabe se aquele sorriso não nos quis dizer que toda a história da traição foi imaginação dele enquanto "curtia a moca" do ópio? Ou então essa celebração de que falas.
Acho que o Leone quis mostrar esse sorriso mesmo para nos deixar essa dúvida.

Abraços

Anónimo disse...

Mais um filme lindo. E tens razão quando dizes que as cenas entre os dois miúdos são as mais belas do filme. Quando ele a observa pelo buraco da parede a dançar ballet e cada vez que ela olha para o buraco ele tira a cabeça, são cenas lindas e fazem mesmo lembrar a inocência de garotos que já não temos. Pode ser de 1984 mas continua intemporal. Sublime.
Bjinhos

Álvaro Martins disse...

"Pode ser de 1984 mas continua intemporal. Sublime."
Disseste tudo nestas palavras.

Bjs