22 de março de 2010

Rosetta (1999)




















Rosetta é uma pérola do cinema, ou melhor, a dupla dos irmãos Dardenne é uma pérola do cinema. Porque não há cinema mais simples e concreto que o cinema dos Dardenne. Rosetta é o segundo filme deles que vejo, e, se Le Fils me deixou perplexo, Rosetta deixou-me atónito. Porque para além do realismo exacerbado com que o cinema dos Dardenne se identifica, a arte de filmar, a mise-en-scène dos belgas, é a grande beleza do seu cinema. E se este cinema, oriundo de um Dogma 95, nos sensibiliza tanto, isso deve-se à câmara dos Dardenne, à proximidade com que ela se cola ao personagem, a um estilo de câmara na mão. A forma como a câmara é conduzida, a forma como segue a personagem é simplesmente brilhante e o grande trunfo deste cinema neo-realista dos belgas.

Rosetta é, num âmbito geral, um retracto duma dura realidade (como o é Le Fils), uma crítica social desconfortável duma realidade cada vez mais presente, a sobrevivência, a luta contra o desemprego. Acima de tudo, somos confrontados com um cinema frio e metódico onde só nos é apresentado o essencial para a compreensão da obra. O filme começa com o despedimento da jovem Rosetta, ao qual ela reage descontroladamente e agressivamente. A partir daqui, somos levados a perseguir (literalmente) Rosetta para onde quer que ela vá. Ou seja, Rosetta é Rosetta e mais nada. Os Dardenne querem sobretudo filmar a dura realidade de quem procura exaustivamente um trabalho, de quem procura uma vida normal. E para isso, fazem de Rosetta um ser desprezível, capaz de qualquer coisa para ter uma vida normal, para conseguir um meio que lhe traga o seu ganha-pão.

Mas Rosetta é muito mais que isso, lida com muito mais que isso. Rosetta é o quotidiano daquela jovem endurecida pela dura realidade, pela falta de afecto, endurecida antes do tempo. E por isso a sua constante procura num trabalho, por isso a sua forma de lidar com a mãe alcoólica que se prostitui para alimentar o vício, por isso o ritmo frenético com que Rosetta se movimenta naquele meio urbano. Observamos a sua rotina, o seu modo de conseguir alimento, a sua forma de entrar no acampamento onde coabita com a mãe (de quem sente vergonha e repúdio não obstante a um imutável afecto e incessante procura na reabilitação desta). Mas sempre fria, dura (a única vez que Rosetta sorri ocorre quando o único amigo que tem desata a tentar fazer habilidades sem sucesso).

Mas no fim Rosetta alcança a redenção (como Le Fils a alcançou). No fim, e depois de provar ao espectador a ausência de escrúpulos, a capacidade de abdicar e trair o único amigo que possui para conseguir um trabalho; no fim chega a redenção, o estranho poder de Rosetta nos incutir alguma pena por aquele ser, por aquela vítima da sociedade. Maravilha de cinema.

4 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Belo texto, reflexivo.

Preciso assistir esse filme urgente, muito me atrai.

Parabéns, sempre, pelo seu trabalho aqui! Finalmente, adicionei seu blog ao meu.

Abraço!

Luiz Henrique disse...

Este conheço apenas por ouvir falar de amigos que viram - e nenhum disse uma palavra pessimista sobre o filme. Dito isso, e com o que li aqui, vou providenciar, parece um daqueles filmes necessários, que precisam ser vistos. Um abraço!

Di disse...

Parece que temos novo fã de Dardenne. ;)

(o gás no fim era para se matar, a ela e à mãe. depois aparece o rapaz, suspende tudo... genial.)

Mas o melhor deles é mesmo o L'Enfant, esse é que é a pérola das pérolas. Absolutamente extraordinário, Único, único.

Álvaro Martins disse...

Podes crer que há novo fã dos Dardenne ;)
O final, concordo contigo, é genial.
Já tenho aqui o La Promesse e o Lorna para ver. Quanto ao L'Enfant, estou à espera que saia no Público.