6 de junho de 2012


As sombras da morte

“Double Indemnity” é coisa minuciosa, negro como os mais negros de Murnau ou de Dreyer, sombrio e brutal e imerso na perversidade do poder da femme fatale, coisa do noir que aqui emerge na perfeição. É nas sombras que brota toda a perdição daquele vendedor de seguros, na negrura mais recôndita daquela estória que a pouco e pouco vai escurecendo a vida e a alma de Walter Neff, o vendedor que se deixa enfeitiçar por aquela mulher que o conduz, como lhe diz Keyes, ao cemitério.

Wilder consegue ser tão negro quanto os mais assombrosos filmes de Murnau sim, e por isso o filme traz tantas heranças do expressionismo alemão (ou direi antes que o noir traz essas heranças), mas o que irrompe e avulta dessa escuridão fantasmagórica e comprimida pelo desejo e pela perversidade é a narrativa minuciosa, literal e intimista de índole literata na primeira pessoa, coisa submersa na tragicidade que se avizinha e nas trevas diabólicas da mulher que corrompe o homem. É por isso, pela negrura constante da noite e das ruas de Los Angeles e pelas sombras da morte e do noir, que “Double Indemnity” é um dos mais brutais e subservientes noirs da história do cinema.

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