Antes de mais, isto sim é cinema. Depois, Jeder für Sich und Gott Gegen Alle é um grande filme. Porque é mais do que um filme, é uma tese, é uma dissertação sobre as estruturas sociopsicológicas do ser humano. É uma análise sobre a sociedade e suas ramificações, uma reflexão sobre o Homem e sua natureza humana.
Ao ver Jeder für Sich und Gott Gegen Alle (em português Cada um por si e Deus Contra Todos) lembrei-me de The Elephant Man (David Lynch). Poque ambos tratam desse indivíduo disfuncional no meio social onde se inserem. Porque ambos perseguem a interacção social como indicador da formação intelectual, filosófica e cultural do indivíduo. Aqui, é a ausência dessa interacção social que condiciona e define a formação psicológica e sociocultural de Kaspar Hauser. Mas é quando Kaspar Hauser se insere na sociedade que a semelhança com o filme de Lynch é visível. Porque é na forma como a sociedade reconhece estes dois “intrusos” que os dois filmes se relacionam, porque da mesma maneira que John Merrick é visto como uma aberração, também aqui Kaspar é tratado como um ser anormal, como um jovem alienado das regras e convenções socioculturais (o que é realmente verdade mas devido ao isolamento até aí), sendo tanto um como outro motivo de atracção social face à condição a que estão sujeitos (cada um à sua). Aliás, o filme de Herzog é essencialmente um estudo sobre essa vertente da natureza humana, um questionamento sobre a identidade do indivíduo como factor determinado pela convivência social. Ou seja, e se o ser humano for desprovido de qualquer contacto social até idade relativamente avançada? Qual será o seu desenvolvimento intelectual face a essa ausência de interacção humana? Será um indivíduo tal qual o conhecemos hoje em dia? Ou desenvolverá somente as potencialidades primitivas e retrocederá aos primórdios do ser humano? E a reinserção no meio social é possível? Terá esse ser desenvolvido capacidades e habilidades intelectuais para se (re)ajustar na sociedade?
Jeder für Sich und Gott Gegen Alle é um filme cru, rude e paisagístico. Herzog, de certa forma, questiona as convenções da época (muitas delas ainda actuais), condiciona a igreja e a ciência como partes integrantes e identificadoras da sociedade e da formação intelectual e sociocultural do indivíduo. Acima de tudo, é esta vertente filosófica e sociológica que faz de Jeder für Sich und Gott Gegen Alle um grande filme. Isto sim é cinema.
5 comentários:
E um grande filme, mais uma das muitas boas obras que nos ofereceu Herzog :)
Sinceramente, sinto que é um realizador um pouco subvalorizado, o que é sempre triste de ver.
Vê o Stroszek agora ;) A melhor fábula sobre o sonho americano...
Sim, também acho que é subvalorizado. Gostei muito deste, é sem dúvida um grande grande filme.
O Stroszek está para breve, assim como o Fitzcarraldo, o Cobra Verde, o Fata Morgana e o Lebenszeichen ;)
Permite-me, mas não é grande coisa. É um filme que se limita a expressar um fenómeno conhecido já desde a idade média... o «menino selvagem». O Kaspar Hauser é de uns factos por aí relatados, que sobreviveram em folhas de papel, de um desses casos.
O Herzog limita-se a «plastificar» o caso, mais nada. Não há nenhuma intenção ou artíficio imaginativo.
" Não há nenhuma intenção ou artíficio imaginativo." Pois não, mas há filosófico. Já sabemos à partida que é uma história verídica, não pode aí haver grande imaginação. Como disse no fim do texto, acima de tudo, é esta vertente filosófica e sociológica que faz de Jeder für Sich und Gott Gegen Alle um grande filme.
Gostei demais do seu blog, parabens! tempos atras escrevi um ensaio sobre este filme.
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