17 de janeiro de 2011

Adieu, Plancher des Vaches! (1999)
Otar Iosseliani

O rico que finge ser pobre (inserido numa família altamente disfuncional) e o pobre que finge ser rico (na procura das conquistas femininas). O valor do materialismo, a sua inevitabilidade. Comédia urbana, fábula lírica e social da amizade, da liberdade e da injustiça no mundo. Adieu, Plancher des Vaches! é ouro sobre azul, condição irremediável do ser humano aquela que o relega para o virtuosismo duma postura social, para a força intrínseca do indivíduo na persuasão do próximo (e consequente êxito) de acordo com as regalias (ou falta delas) sociais. Iosseliani impugna qualquer romantismo (e integridade) inerente ao Homem. Condena tanto o pobre como o rico. Mergulhado na clareza do seu cinema, aliado a um sentido clássico que grita pelos primórdios da humanidade, Adieu, Plancher des Vaches! explora um certo sentido absurdo e cruel dessa mesma humanidade.

No entanto, a pérola das pérolas é a condução narrativa e a mise-en-scène de Iosseliani. O ritmo das acções, o encadeamento e desenrolar da narrativa, os movimentos de câmara pacientes mas fundamentados reforçam essa vitalidade que o protagonista parece conter. A clareza das imagens, a energia da acção, a câmara que procura preferencialmente a distância (a indicação da alheação daquela família e daquela gente). Iosseliani filma aquele universo conferindo-lhe uma identidade própria. Há ali muito sarcasmo, muita fome de mandar foder o mundo (por isso os dois bêbedos que se assimilam surpreendentemente apesar do antagonismo social e aquele final em que os dois caminham rumo à liberdade), muita fome de igualdade social. Foi o primeiro filme de Iosseliani que vi, mas confesso que fiquei com vontade a mais.

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