3 de novembro de 2010

春分花 Higanbana - A Flor do Equinócio (1958)
Yasujiro Ozu

A mise-en-scène de Ozu é sempre feita (sem excepção) de planos fixos. Não há movimentos de câmara. Mas então o que faz de Ozu um dos grandes mestres? Precisamente o plano fixo (sem que isso indique algum sentido prejudicial ou despropositado aos movimentos de câmara, bem pelo contrário). Porque Ozu escolhe e enquadra a câmara onde ela tem de estar. Porque naquele(s) plano(s) Ozu ocupa o(s) espaço(s) que tem de ocupar, Ozu filma o que tem de filmar. Detalhes que podem parecer inúteis mas que se revelam extremamente importantes. Porquê? Porque são mais do que simples objectos, porque são mais do que simples espaços que se completam com a vida humana, é a materialização desse mesmo espaço. São parte integrante da vida dos personagens. São peças fundamentais para a compreensão e embelezamento da história (tradição, costumes…) e do filme. Sim, aqueles planos dizem muito, aquela beleza é rara.

E tudo o que Ozu faz, fá-lo serenamente. Como se aquela(s) história(s) fosse(m) a(s) história(s) do Paraíso, como se aqueles personagens e aquele(s) espaço(s) estivessem imersos numa espécie de candura cinematográfica (seja lá o que isso signifique). É a poesia das imagens no cinema de Ozu.

A Flor do Equinócio (o primeiro filme de Ozu a cores) é (mais uma vez) um conto belo e evocativo do novo e do velho, ou melhor dito, é uma história de mudança de mentalidades, gerações e culturas. Isto que Ozu explora aqui não é mais do que o tema obstinado a que voltaria em Bom Dia (Ohayo) e em O Gosto do Saké (Sanma no Aji), a transição da juventude para a idade adulta. Transição essa que acarreta também uma transição de valores. A Flor do Equinócio é essencialmente uma elegia Ozuriana das mudanças sociais e culturais do pós-guerra japonês. O confronto entre os ritos do passado com a esperança do futuro, as tradições em oposição ao ocidentalismo do pós-guerra, à nova cultura.

E, mais uma vez, Ozu trata a emancipação da mulher como um contratempo para a família (esse tema recorrente em Ozu, sempre a vida familiar). E aqui tudo se torna muito mais complexo do que em Sanma no Aji. Porque aqui há uma mudança de mentalidade, um liberalismo, há já uma autonomia da mulher face ao poder paternal. Porque essa transição do pós-guerra, essa libertação não só imperial como de costumes e tradições retrógradas assim o exige. Casar por amor e não por conveniência. Mais uma vez, a disparidade do novo face ao velho.

Mas, tal como um ano depois viria a reincidir em Bom Dia, Ozu atribui uma ligeira hipocrisia ao ser humano (aqui exclusivamente a Hirayama, o pai de família deste conto). E atribui-a ao fazer de Hirayama um homem contraditório nas suas acções e convicções. Logo no início do filme, no casamento da filha de um amigo, Hirayama faz um discurso liberalista e onde condena a falta de romantismo (relativamente aos casamentos arranjados) da sua geração. Fala até de inveja. Mas depois, Hirayama mostra-se autoritário, conservador e oponente a qualquer mudança cultural e tradicional relativamente à sua família (concretamente o casamento da filha ao qual se opõe fervorosamente). E é justamente isso que Ozu quer expor, o absurdismo do conservadorismo e das mentes retrógradas, a hipocrisia do ser humano e a transição da cultura de uma geração para a outra. Sempre analisando o ambiente familiar, sempre confrontando o novo com o velho. Grande Ozu.

6 comentários:

Álvaro Martins disse...

Argonauta, qualquer dia viro-me para o Kurosawa. Já vi alguns filmes dele, mas foi há uns aninhos e para escrever convém rever ;) E um que também quero descobrir é o Kiyoshi Kurosawa. Neste momento ando a ver este Ozu e depois irei descobrir Mizoguchi.

PS: Peço desculpa mas eliminei o teu comentário por engano.

Carlos M. Reis disse...

Caro Álvaro, antes de mais, e este comentário pode ficar público sem qualquer problema, pedir desculpa pela proporção que a menção que fiz ao teu desabafo no meu blogue tomou. Fi-la, como já disse nos comentários, porque achei piada à mesma e senti-me um pouco de cada um dos três cinéfilos, mesmo não me achando sequer cinéfilo de maneira alguma. Nunca pensei que aquilo fosse tomar aquele caminho.

Podes enviar-me o teu endereço de e-mail para o meu-email? Estou a fazer uma mailing list de todos os nomeados, para avisar de novidades e pedir algumas escolhas cinéfilas para proporcionar uma ou outra surpresa no evento.

Obrigado,
Miguel.

Anónimo disse...

Thanks :)
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Sam disse...

Não sei se conheces a filmografia de Hiroshi Teshigahara (WOMAN OF THE DUNES - 1964), recomendo bastante.

Cumps cinéfilos.

Álvaro Martins disse...

Não, não conheço Sam. Irei tentar descobrir. Obrigado pela recomendação.

Sam disse...

Teshigahara é contemporâneo do Ozu, mas apresenta estilo formal totalmente oposto.