Um filme de Béla Tarr
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Há aqui toda uma procura dessa ambiguidade moral, uma exploração do comportamento humano face a situações-limite (foi aqui que Sant foi buscar o tema de “Gerry”). Tarr volta a reincidir na questão do falso messias, o príncipe que vem, juntamente com a gigantesca baleia, como atracção do circo. Príncipe esse que nem sequer o vemos. Mas “Werckmeister Harmóniák” é um filme alegórico, mais que qualquer outro de Tarr. A par de “Sátántangó”, “Werckmeister Harmóniák” possui um ambiente caótico, apocalíptico que transcende a simplicidade do argumento (sem falar na mise-en-scène, na música, no minimalismo do húngaro, na contemplação e no naturalismo presentes em todas as suas obras que já referi inúmeras vezes pelo meu tasco fora). E Tarr cria sobretudo, à imagem de “Sátántangó”, um filme utópico, caótico.
Que dizer mais? Haveria muito mais para dizer de “Werckmeister Harmóniák”, mas uma palavra resume tudo, OBRA-PRIMA.
14 comentários:
Nah. O maior é o Guy Maddin. E ainda coloco mais alguns à frente do Tarr, mas é, sem dúvida alguma, um dos melhores criadores na última vintena.
Subscrevo as palavras. Béla Tarr é o melhor cineasta vivo em actividade. Já o Guy Maddin nada tem a ver com a estética de Tarr, mas também gosto muito do realizador canadiano.
Victor, ninguém disse que tinha. O "objecto" discutido, ou lançado, é de quem poderá ser o melhor cineasta actual. Na minha opinião e gosto pessoal (como é óbvio), acho o Maddin mais urgente, de maior importância para o que deve ser o cinema enquanto ARTE hoje, com uma substância plástica, SEMÂNTICA, única - assim como é o cinema de Tarr, mas de um outro ângulo, bem diferente, no plano estético. Quanto à temática e semântica, o que não faltam são cineastas ao nível do Tarr, enquanto que ao nível do Maddin... isso é outra estória, que muitos nem sequer ousam inventar: é preciso muita capacidade artística e espírito verdadeiro.
Pois LN, estamos mesmo em desacordo. Para mim Béla Tarr é mesmo o melhor. E não considero Guy Maddin assim tão bom. Mas são opiniões.
O que conheces de Maddin Álvaro?
Claro que são dois cineastas que estão estetitcamente nos antípodas. E também concordo que o trabalho de Maddin seja absolutamente único no panorama cinematográfico actual, não conheço mais ninguém a fazer o que ele faz. Já o Tarr tem "descendência"...
Já agora, caso não tenham lido, há tempos escrevi sobre o trabalho de Guy Maddin - http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/2008/11/esttica-retro-futurista-de-guy-maddin.html
Exactamente Victor. Mas quase que nem é isso... O Maddin, para além de ser O mais singular cineasta contemporâneo (e de extrema preciosidade no que toca a arte de vanguarda, desde que existe cinema na estética - anos 10/20...), tem uma visão urgente, sabe o que deve ser a arte de hoje. Não é só «fazer o que ele faz». Trata-se do conteúdo, da visão, do Maddin tratar os símbolos por Tu, que é riquissimo. Mas não vamos estar aqui com análises formais, não é o espaço indicado.
O Tarr embala-se nas epócas... coisa que por aí existe ao monte. Tem mérito no aspecto formal/técnico. Só, na minha opinião.
LN, conheço algumas curtas de Maddin e o mais conhecido The Saddest Music in the World.
Mas vamos por partes, talvez me tenha expressado mal. Dou-lhe todo o mérito a Maddin, reconhecido e com o justo valor. É único na actualidade, também não conheço outro. Mas o problema está no experimentalismo, naquilo que tu falas, na estética, semântica e na substância plástica. Nunca fui dado a artes mais eruditas como a pintura, a escultura ou as artes plásticas. Aí considero-me um leigo porque não me atrai, nunca procurei aprofundar os meus conhecimentos quanto a isso. E o cinema de Maddin envereda muito por essa veia artística, por essa fusão de imagens entre a linguagem cinematográfica e a linguagem plástica. É singular sim senhor. É um grande cineasta não há dúvidas mas para mim é um cinema muito experimentalista, demasiadamente cuidado relativamente à estética embora muito aproximado do expressionismo.
Ok. :)
Não há problema nenhum em não encarares (ou encantares...) com a arte vanguardista. Seja musical, cinematográfica, «plástica» ou literária.
Gosto do Saddest, mas ainda prefiro outros... dizia-te para veres o último dele, o My Winnipeg, que é uma espécie de documentário pessoal do Maddin sobre Winnipeg, a sua infância, família, etc... mas já sabes, é tudo ao estilo Maddin... absurdamente bom. No My Winnipeg existem relações muito íntimas com o meu preferido dele, o Coward Bend The Knee or The Blue Hands. Retirando isso, é um Maddin domesticado. O filme mais usual dentro de toda a neuroticidade (embora o gajo não largue a líbido...) do universo Maddin.
É, o cinema de Maddin recolhe muito do expressionismo alemão (as sombras de Murnau), do cinema mudo, da Internacional Situacionista, e de todos os que contribuiram para matar Deus no séc XX.
Só acho que não pensaste bem quando escreves «demasiado cuidado relativamente à estética». Se há cinema livre, é Maddin. Todo o verdadeiro pressuposto, teórico, da modernidade, é ser livre, Pesquisar, Experimentar. É o que o Maddin faz: fragmenta, enche a tela com estes símbolos tão bonitos [?], destroça totalmente qualquer ideia concebida do que é cinema, numa visão única (ali pelos laivos do absurdo/patafísica, do surrealismo, mistério, contra-dogma, aliás, diverte-se a desmontá-los), num estilo ímpar. Não há imagens higiénicas, pseudo-qualquer-coisa (geralmente é a moral...), e o Maddin é energicamente alérgico à palavra «público», ou «comercial».
Houvessem muitos como ele...
Talvez tenha exagerado no demasiado cuidado relativamente à estética, como te disse conheço pouco do seu trabalho (e embora não me "agrade", ou melhor, não me atraia, vou tentar ver mais obras dele, isso é certo, e tentar perceber melhor ou "ganhar" algum gosto) mas do que conheço dele não me atrai muito. Mas a "veia" do expressionismo alemão e também do soviético que Maddin vai buscar é sem dúvida o que me faz dar o braço a torcer.
Mas relativamente à questão que iniciou esta saudável discussão (e acredita que me agradam bastante estas discussões contigo) Tarr está no topo da minha cinéfilia actual porque é sem dúvida o melhor cineasta a filmar, a contar uma história (por mais simples que seja), a saber exteriorizar para o ecrã as emoções, a intensidade dos momentos, o minimalismo quer físico quer psicológico, o ambiente naturalista e contemplativo que lembra Tarkovsky....
Maddin é diferente, muito :)
Mas é relativa a definição de melhor cineasta.
Claro que sim, que é relativo «o melhor cineasta de hoje», a menos que seja um teenager que teime comigo que o Slumdog Millionaire e Danny Boyle é que é porque ganhou os OSCARS. Pronto. haha. Agora... quando estamos a falar de cinema deste nível, o clima é diferente - estão todos no topo, não devem nada ao mundo nem à sociedade do espectáculo. Ter fãs ou não é indiferente, só a inquietação que nos move é real... Eis a arte/artista verdadeiro.
Experimenta então o My Winnipeg, depois diz o que achaste. ;) Mas que fique claro: a linha de montagem é igual, mas em retrato psicótico brando. O filme é narrado em voz-off, tem alguns diálogos também... é diferente do habitual filme mudo dele. O princípio da carreira dele é só para os fãs hardcore, como eu.
E já que falamos de grandes cineastas de hoje, conheces Andrei Zvyagintsev?
http://www.imdb.com/title/tt0376968/
É o The Return (título inglês), muito bem criticado, levou uma porrada de prémios em festivais-centro... e o seguinte dele, que fez parte da selecção de Cannes, o Izgnanie.
Tenho-o aqui há já um tempo, ainda só o vi na diagonal, mas pareceu-me muito bom - pelo menos ao nível técnico, já que a poética narrativa deste realizador ainda não conheço. Tenho de arranjar tempo para o ver.
Exactamente LN, estes são os artistas verdadeiros.
Quanto ao My Winnipeg vou tentar arranjar (penso que não seja difícil) e tentar ver. Depois digo algo.
Relativamente a Andrei Zvyagintsev estou a zero. Não conhecia mas intrigou-me. Já vi que apenas realizou dois filmes e 1 episódio de, supostamente, uma série. Portanto, estamos a falar de um talento emergente não é assim? Mas digo-te já que também vou tentar arranjar e conhecer.
Sim, tem 45 anos, mas, ou e, ainda é curta a carreira. E o The Return, visto só de forma oblíqua, abre logo o apetite. Sabes aquela sensação que tens, logo no primeiro segundo, quando estás perante um dos grandes? Não há volta: «este vai ficar...».
Foi assim que senti, e raramente me engano, quando estou frente a um bom filme, álbum, livro, bla.
O Maddin, em DVD, só existe o Saddest, pela Midas. Mas encontras o My Winnipeg facilmente, até é o mais concorrido, porque Maddin tem chegado a mais pessoas - através de artigos da Time e outras revistas (fora e dentro do cinema como tema específico), exposições em galerias da obra, etc...
Álvaro, acabo agora de ver este Werckmeister harmóniák e estou sinceramente abismado. É uma gigante obra-prima, única como nenhuma outra. Tenho ainda muita coisa que pensar sobre ela, mas fica já a certeza de que quero muito revê-la de novo...
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