Um filme de Benedek Fliegauf
É o segundo filme de Fliegauf que vejo e confesso que estava bastante curioso em vê-lo. Isto, porque depois de ter visto “Tejút” (completamente diferente deste e que é posterior a este – mais propriamente de 2007), fiquei com vontade de ver mais trabalhos deste cineasta húngaro que neste “Dealer” se revela brilhante. Como o título indica, o filme é sobre um dealer, mais propriamente sobre os seus últimos dias.
E o que é que o filme tem de especial? Tudo. Desde o argumento à destreza da câmara, desde os actores à imagem, desde a luz ao som. De facto, nunca vi um filme sobre droga tão brilhante. “Dealer” é, e digo-o com toda a certeza, uma obra-prima.
Mais importante que todo o trabalho que Benedek Fliegauf desenvolveu aqui, é a influência de Tarr em todo o filme. Do pouco que vou conhecendo deste novo cinema húngaro, Kornél Mundruczó incluído, a influência da mise-en-scène de Béla Tarr está sempre presente. Portanto, o grande trunfo de “Dealer” é esse, os travellings que Fliegauf assume em quase todo o filme como se de um filme de Tarr se tratasse. A calma com que a câmara desliza, o som de fundo que assola quase todos os momentos do filme. Para dizer a verdade, e voltando a Tarr, se o filme fosse a preto e branco e desconhecendo o seu autor, diria com toda a certeza que se tratava de um filme de Béla Tarr. Mas não, tratasse de uma obra de Fliegauf e com todo o mérito para o senhor. Porque o filme não é só brilhante devido à sua mise-en-scène. “Dealer” é completamente diferente do que estamos habituados. É um filme sobre droga mas não sobre os drogados. Mas mais que isso, é um filme completamente impressionante. Fliegauf filma o dia deste dealer num ambiente claustrofóbico, negro e realista. Ele filma aquela cidade como se de uma cidade deserta (ou quase) se tratasse. Ele consegue dar a ideia de um mundo alienado, um mundo à parte, embora real. Um mundo onde a droga comanda. Na verdade, o ambiente criado pelo húngaro desde o início do filme é uma atmosfera depressiva, onde a dor abunda. Desde o amigo que está numa cama de um hospital com o corpo todo queimado e que implora por um último chuto, passando pela ex-companheira que tem uma filha supostamente sua e o chama para lhe dar heroína até um cliente que diz querer largar a droga mas que se contradiz pedindo-lhe mais, todo o ambiente de “Dealer” respira depressão, dor e miséria. Mas ele recusa moralismos, o próprio dealer alheia-se às responsabilidades, à realidade, até à última cena onde tudo fica mais claro, onde a moralidade vem ao de cima.
E Fliegauf faz um filme minimalista onde se preocupa com cada detalhe do filme, com o som, a fotografia, a câmara, os diálogos. Fabuloso.
4 comentários:
Excelente filme sem dúvida.
Já agora aproveito para lembrar as curtas metragens do mesmo realizador: Hipnos de 2001 e Rengeteg de 2003. Vias no extinto programa de curtas do canal 2 da RTP.
No entanto considero este um pouco melhor que o Tejút. Provavelmente deve.se à excelente forma como o realizador cria o ambiente claustrof+obico que faz lembrar o Lynch dos velhos tempos. Aliás numa entrevista aquando do lançamento deste filme, Benedek Fliegauf apontou Lynch como uma das influências.
Devo referir, no entanto que este é um filme para amantes de cinema.
Sim, muito melhor. Aliás, o Tejút é bastante experiental. Este é mais completo.
Sim, tem influências de Lynch mas não são tão evidentes quanto as de Tarr.
Quanto às curtas sou leigo. Nunca as vi. Só vi mesmo este (legendado em inglês, diga-se de passagem) e o Tejút que não precisa de legendas. Mas ando a pesquisar mais coisas deste senhor que me agrada muito.
quanto a Tarr, provavelmente tens razão, a influência é mais directa. aliás na relação entre os dois realizadores parece mais mestre e aprendiz. do Béla Tarr o que gostei mais foi o Sátántangó de 1994. pensei que a partir daí não fosse fazer melhor. depois surgiu o Werckmeister harmóniák de 2000 e mais uma vez surpreende. gostava de ver mais alguma coisa mas é complicado arranjar a filmografia toda.
Sim, parece mesmo tipo mestre e aprendiz. Aliás, Tarr é influência para muito cineasta e mesmo na Hungria conheço outro que tem essa influência também bem visível, o Kornél Mundruczó, do qual ainda só vi o Delta que também gostei muito.
Quanto ao Tarr, já falei muito dele e dalguns dos seus filmes aqui no meu blog. E não para de surpreender. Vê o último, The Man From London e diz-me o que achas.
Vai aqui:
http://myonethousandmovies.blogspot.com/search/label/B%C3%A9la%20Tarr
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