27 de abril de 2025



 1961, Ryôjû, Heinosuke Gosho 



| ‘uma pequena serpente branca dentro de mim’ | 


o mais elementar em ryôjû é a complexidade que o melodrama assume, logo, como num sirk ou num naruse, gosho busca por entre os caminhos da tortura e da psique humana um intrincado enredo psicológico que transcende o melodrama novelístico e corriqueiro de outros autores; é a mulher, tal como em naruse ou mizoguchi, o objecto de estudo, a sua “auto-condenação” ou perdição, e a sua escolha vertiginosa na queda moral - e por isso no fim diz que sempre preferiu ser amada do que amar, daí o silêncio para com kadota como elo de garantia para ela, e quando o desfaz ela desmorona - quase como uma maldição que shoko abraça, progressivamente e conscientemente, sobretudo a partir do momento em que “a pequena serpente branca que vive em mim” é mencionada, é preferível sucumbir a ela (à serpente) do que continuar a residir na moralidade que a destina a não ser amada (ou desejada); sublime, ryôjû mergulha na vertente viperina que a sua personagem fatalista, shoko, ávida a condenar a omissão de uma filha ao marido (e determinar assim o divórcio), consegue imprimir na tela ao acolher a mesma avidez para encetar um relacionamento amoroso com o marido da prima ou a orientar a opinião da filha (adoptiva) sobre o pai; o martírio e o conflito interior assumem então uma dimensão gigantesca ainda que a escolha recaia sempre na perpetuação do relacionamento, constatação final de que o importante era ser amada e não tanto amar, é também na figura feminina da prima, midori (a grande mariko okada que junto com setsuko hara e hideko takamine devem ser as minhas actrizes japonesas preferidas), que gosho expande a análise da mulher, ela que desde o primeiro instante descobre e testemunha a traição, mas que o guarda para si em silêncio, talvez num gesto altruísta que esconde o sentimento de inferioridade perante a prima, até que o kimono visto nesse primeiro instante traumatizante lho relembra e lhe faz declarar que sabe tudo desde o inicio; oh que portento de filme é ryôjû.

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