26 de maio de 2012

13 comentários:

Enaldo Soares disse...

Desleal. A citação completa é esta, e muda-lhe um pouco o sentido, pelo menos atenua o "disparate" do grande Ridley Scott:

Hollywood est une industrie du cinéma. Je me dois de faire des films qui plaisent au plus grand nombre. Je garde toutefois un esprit purement britannique : il faut certes divertir mais en essayant de respecter ses idées. Je suis très critique en­vers moi-même et me pose toujours cet­te question : ?Le spectateur comprend-il ce que je veux lui raconter ? Si oui, OK, sinon trouvons une solution !?

La remise en cause est importante pour un artiste d?autant plus s?il est censé s?adresser à beaucoup de monde. ?La clarté, la clarté et toujours la clarté !? C?est mon moteur. Je ne cherche pas à séduire, mais à intéresser. L?un des avantages des films à gros budget est leur retentissement. Voilà pourquoi je ne fais pas de documentaires, car ils concernent un nombre plus restreint de spectateurs.

Álvaro Martins disse...

Não me parece nem que mude o sentido nem que atenue grande coisa. E de grande pouco ou nada tem.

Sam disse...

Opiniões.

João César Monteiro ou (e bem recentemente, por sinal) Carlos Reygadas também já deram a entender que "o espectador é um idiota"...

Cumps cinéfilos.

Álvaro Martins disse...

Sam, claro que são coisas diferentes, discursos diferentes e principalmente formas diferentes de fazer cinema e consequentemente formas diferentes de entender o público e o cinema. César Monteiro fazia filmes para ele, não para agradar e não com preocupações em se fazer entender ou agradar ou em prender o espectador, por isso o seu discurso egocentrista e sobretudo cínico tal como o seu cinema, já Scott é o oposto. Quanto a Reygadas passo a citar o que ele disse recentemente em Cannes e cada um tira as suas ilacções:

Carlos Reygadas : "When a film is made, you try to share what you feel, what you think, what you imagine... I don't think there are any limits, but one's own limits. I do have limits, but I do feel totally free. So I think I do make perfectly normal, easy films. that is not a sea-change in comparison with standard films. [..]
About narrative, I try to make very realistic films. We as human being, we have images from the past, dreams, memories, fantasies, projected future which mostly doesn't come as we imagined it... We don't change from one to another with a code in ordinary life. So I didn't want to use a code in the film. I think the public is very wise and moving very fast in cinema. There is no need for such codes anymore. So I didn't want anything that would make you (public) connect directly what is the future, what is the past, what is imagined, what is fantasy. As it happens in our own lives, as in our own heads. That's why I respect the public very much, that's why I made the film in this way. I think the public is grown up, and intelligent. That's why I like people not to like the film, because that means other people like the film, because we're all free. I think it's just good that we all move around in the film as we feel. [..]
Well I didn't say I didn't care what the press thought. I'm sure a lot of the press won't like my film, and that's actually very positive because some films just don't please everybody. It's not my purpose to please as many people as possible. Because it's as though you're offering them something totally bland. I want to insure that some people are really moved and touched by the film, even if it's a small proportion of people. That's what I'm aiming at. I'm not trying to please the public at large.Of course, it's a pleasure if as many people as possible like the film. I want some to like it. [..]
Precisely, I hope the film to be powerful to the point where you can't sum it up really easily. Or else we would only read synopses... You saw what you saw, that's enough. If you retain something from the film, then that's fine. If something grows within yourself, that's it, that's what really counts. And that's the greatest compliment [of not being able to summarize it] I ever received for the film. Thank you."
via http://unspokencinema.blogspot.pt/2012/05/carlos-reygadas-cannes-2012.html

Ou então o video da conferência de imprensa:
http://www.festival-cannes.fr/fr/mediaPlayer/12344.html

Sam disse...

Álvaro, sim, era a essa conferência de imprensa que me referia quando mencionei o Reygadas.

Olhando para os dois discursos agora em discussão, apercebemo-nos não só de duas formas de estar em cinema opostas mas, para mim, inteiramente legítimas.

Scott quer interessar mais do que seduzir, Reygadas quer comover o público. Fine by me.

Como eu tenho este "defeito" de gostar tanto de Cinema e das diversas experiências sensoriais e/ou emocionais que me proporciona, consigo extrair tanto prazer de um filme do Scott (e acho que é um cineasta com mais para analisar do que se possa pensar) como do Reygadas.

De facto, cada um tira as suas ilacções e assume a sua postura. E isso inclui o espectador.

Cumps cinéfilos.

João Palhares disse...

Quanto ao Reygadas não sei, mas eu não acho que o César Monteiro tenha dado alguma vez a entender que "o público é idiota", pode ter dito numa crítica qualquer não sei. Há o video das entrevistas na noite de estreia da "Branca de Neve" e que infelizmente é a primeira coisa que aparece quando se escreve "João César Monteiro" no You Tube.

o "eu quero que o público português se foda" (que é tão citado para as mais variadas batalhas aqui em portugal, e como paradigma e sintoma de imensa coisa: o autismo dos autores, os subsídios para o ralo, etc, etc - desculpem-me o aparte), vem no seguimento dum "trabalho" jornalístico que roça o mercenário. Que foi combatido in loco, como foi possível, pelo Monteiro. O "Dizem as más línguas..." e o "o público português..." já deixavam antever que era tudo menos entrevistar o que eles queriam fazer ali, era só rondá-lo como abutres e tentar pô-lo a fazer umas figurinhas, e que era a comunicação social e o "jornalismo" que ele queria que se fodessem, daí o "e assim sucessivamente"...

De resto, eu acho que pelo menos o "Recordações da Casa Amarela" foi feito com o público em mente, para não dizer "para agradar" que também é uma expressão que me faz alguma confusão...

Álvaro Martins disse...

No fundo no fundo acho que todo e qualquer cineasta faz filmes para serem vistos, mesmo que por uma pequena facção, ou seja, todo e qualquer cineasta tem o seu público alvo e por mais underground ou por mais surrealista que seja sabe que irá sempre ter alguém que verá o filme. Isto parece-me um dado adquirido. A diferença está mesmo no público e no cinema que se faz. Uma coisa que O cineasta conhece (ou deve conhecer) à partida é o público e como ele se "desdobra". E a partir daí é uma questão de escolha relativamente ao seu cinema a fazer e a que tipo de público atrair. Uns fazem-no por amor ao Cinema, outros fazem-no por amor ao dinheiro.

Relativamente ao público ser idiota talvez seja uma expressão forte demais (e tal como o João também não me lembro do Monteiro ter expressado tal coisa embora não me admire), ainda que possa ser fundamentada muita das vezes, mas a verdade é que o grande público é preguiçoso e o Cinema é actualmente encarado por esse grande público não como uma arte mas como uma diversão (tal como os videojogos e afins). E isso é que é a grande ameaça ao Cinema.

Sam disse...

"Queriam telenovela? Dispenso...", foi, mais ou menos, outra declaração de JCM nessa "infame" entrevista. Poderia muito bem ser, de forma geral, interpretada como a visão do cineasta acerca do público.

Mas concordo inteiramente contigo quando dizes "todo e qualquer cineasta faz filmes para serem vistos". Espero mesmo que assim seja, fazer cinema para não ser visto seria, no mínimo, estranho... :)

Quanto ao grande público, penso que nunca existiu, em toda a História da Humanidade, uma "versão" amplamente instruída do mesmo.

Também sou da opinião que o Cinema sempre foi visto como fonte de diversão (normalmente, utilizo a palavra "evasão"), e a elevação de alguns cineastas populares (Ford, Hitchcock, etc.) ao estatuto de autor foi feita por críticos e não pelo grande público.

Condeno, isso sim e muito, a actual política de distribuição cinematográfica. Continua-se a fazer óptimo cinema, EUA incluídos, que nunca chegam aos olhos do público pelos meios mais habituais.

A ameaça de que falas será, sobretudo, essa.

Cumps cinéfilos.

João Palhares disse...

Se escreves "infame" com as aspas é porque pensas que ele não é coitadinho nenhum nessa situação. E tens toda a razão, mas eu também não disse isso. Quer-me parecer que não gostas muito dos filmes que ele fez, mas isso também não é importante. Desculpem insistir nisto, mas entrevistas, normalmente (mais ainda nas ruas), são vagas e elípticas demais para se lhes tirar visões gerais seja do que fôr. Fui procurar afirmações do Monteiro que fossem noutro sentido e encontrei isto (até nem foi muito difícil):

1. "Finalmente, só um insensato pode ter a pretensão de perceber tudo. Enganam-se aqueles que pensam que a alma do povo é simples ou fácil. Investigá-la é um trabalho extremamente duro. Eu costumo dizer a rir que se fala muito do elitismo de certas camadas intelectuais mas ninguém fala do elitismo, às vezes esotérico, de certas manifestações da cultura popular."

2. "António Pedro Vasconcelos: E então podemo-nos perguntar: porquê o texto, porque não música ou ruídos? Porque não, é suficientemente claro que aquilo não está ali para explicar coisa nenhuma, que é uma divagação poética sobre uma imagem poética, digamos assim. Isso cria algumas dificuldades. É um tipo de risco que tu corres conscientemente, mesmo provocatoriamente, ou estás-te nas tintas?

J.C.M. — Não me estou inteiramente nas tintas. Essas são questões que me preocupam, mas só posso responder-lhes com dúvidas. De resto, há coisas que eu próprio não percebo muito bem. Por exemplo: escrevi umas pequenas notas para serem distribuídas à entrada das sessões, e, numa delas, acerca da dança da raposa, informei, de acordo com informações que me haviam fornecido, que a palavra mirandesa "grilhos" significava grilos ou grelos. Entretanto, um espectador anónimo teve a bondade de me informar que "grilhos" significa pintainhos. É este um caso, infelizmente raro, em que o realizador aprende alguma coisa com o publico."

3. "Alexandra Carita - E o público também deixou de acreditar nesses cineastas?

J.C.M - Essa é uma preocupação minha. Acho que as salas deserrtas são uma chatice, mas não posso dizer, como Rossellini o fez, que me estou nas tintas para o público. Poderia fazê-lo se estivesse interessado em acabar os dias a pedir esmola como aconteceu com Rossellini e não estou."

João Palhares disse...

Enfim, em relação às outras coisas, o nunca ter existido um grande público amplamente instruído, o público ser preguiçoso e o cinema ter sido sempre visto como fonte de evasão, não tenho grandes opiniões. Só acho é que as questões são sempre mais complicadas. O cinema não se "infantilizou" só por causa do público, nem só por causa dos filmes, nem só por causa da televisão. Eu acho que o cinema comercial, para o bem ou para o mal, deixou de ter carga social (não estou a dizer todo o cinema comercial, que isso também não é verdade), porque com o tempo essas questões foram distribuídas por outros meios e outros canais e o cinema deixou de ter essa "responsabilidade", vá. Mas nos anos 40 e 50 (mesmo 60) não era assim, era uma extensão das discussões políticas, das questões sociais. Além de evasivo, situava-se também em espaços e contextos, no seu tempo, no seu sistema político, formas de vida, etc, etc. Isto pode não ser verdade, mas há muito filme americano que vejo que não se situa no tempo e que é completamente indiferente a isso. Só se sabe que são desse ano por estar na ficha técnica, no genérico.

Mais, já que escrevi tanto (hehe), consegue-se conceber uma ideia de "grande público"? Eu não consigo. Não sei se a maior parte das pessoas olha para o cinema como diversão, se somos todos minimamente inteligentes mas alimentamos uma estupidez geral que ganha quase forma física em publicidades, alguns programas e algum cinema. Ou se o cinema já não responde às nossas necessidades. Porque se há um grande público devemos fazer todos parte dele.

E, pronto, o último parágrafo. A coisa da distribuição pôs-me a pensar e, de facto, pode ser que seja uma falácia discutir públicos e interesses porque é tudo uma questão de oferta. No caso de Portugal. As pessoas vão ver o que lhes oferecerem. Portanto se calhar até nem há um grande público preguiçoso mas dois grandes centros que têm escolha e uma vasta percentagem a que não é oferecida grande alternativa, porque se fazem estudos de mercado que chegam à conclusão que se se programar um filme do Wiseman (por exemplo) em Portalegre, ninguém vai ver. (enfim, desculpem o testamento, não estava a pensar escrever tanto)

Sam disse...

João, relativamente ao teu "testamento", apenas 4 notas:

1) escrevi "infame" pela polémica que as declarações, à época, causaram; não quis afirmar que não gosto do cinema de JCM — muito pelo contrário, por sinal, e quase que me arrependo de ter recorrido àquele adjectivo :); conheci-o, enquanto artista e homem, o suficiente para saber que ele nunca assumiu qualquer postura de "coitadinho"; podia ser inconstante no que dizia, mas sempre assustadoramente frontal (já agora, onde se pode ler, na íntegra, as declarações que citaste?);

2) a certa altura, dizes que "nos anos 40 e 50 (mesmo 60) não era assim, era uma extensão das discussões políticas, das questões sociais"; não acredito que essa análise tenha deixado de existir, é possível encontrar no cinema independente norte-americano (e, atenção, menciono-o apenas como exemplo e não como referência principal) interessantes reflexões sobre o nosso presente: TAKE SHELTER é, para mim, uma brilhante metáfora aos tempos conturbados que vivemos;

3) o facto de, no nosso país, apenas existirem dois grandes centros que concentram 99% da distribuição, praticando-se variedade qualitativa na mesma, é mais um argumento a favor do que dizia acerca das políticas de distribuição cinematográfica; ou aquela terrível assumpção de que só nos grandes centros urbanos é que existe o público mais "exigente"... sim, nisto estamos de acordo: o desinteresse do público também poderá advir da (fraca) oferta proporcionada, tão má que nem possui o condão de seduzir minimamente seja quem for...;

4) e por fim, obrigado por este interessante debate.

Cumps cinéfilos.

Enaldo Soares disse...

É muito bom poder ter acesso a um debate deste nível, aprendo bastante com o entrechoque de leituras.

Mantendo o que disse sobre a citação e também sobre Ridley Scott, gostaria de acrescentar que o cinema pode ser só diversão, só arte, ou ambos (é o que penso). Mas, com certeza, se se tornar uma enfadonha ciência acadêmica, aí sim, é que o público lhe virará as costas.

Abraços a todos.

João Palhares disse...

Pronto, é isso. :)

Tenho que ver o TAKE SHELTER, que ainda não vi nenhum filme do Jeff Nichols, mas há um realizador da "cena independente" (ponho em aspas porque não sei até que ponto é que o cinema independente americano é independente) que gosto muito, também por ter feito poucos filmes, que é o Todd Field. O Little Children é um grande filme.

A primeira e a segunda citação vêm desta entrevista do António Vasconcelos ao Monteiro.

A terceira acho que não está online, transcrevi do catálogo da cinemateca dedicado ao César Monteiro.

Abraços